A mistura do Ruanda,
Não se pode dizer que seja uma surpresa, pois é a 4a
vez que aqui passo, mas é um pedaço de terra deslumbrante em África, que me
desperta imensas emoções, nem todas elas boas infelizmente... Rebolbino o filme
9 anos, e vejo aquele miúdo a transbordar de querer, e inundado em vontade, que
se lembra de quase todos os minutos deste pitstop para o Congo que tanto me
marcou... Com alguma estranheza por já não saber bem onde está aquele miúdo,
revivi cada momento como se do mundo dos mortos estivesse a ver a minha vida
outra vez... O Ruanda é lindo e é verde... e se eu não repetir as palavras
lindo e verde mais do que 10 vezes estarei a ser injusto com tudo o que deveria
dizer... Há uma parte de mim que adorava voltar atrás, e fazer com que esta
fosse outra vez a primeira... Lembro-me de ter feito a estrada que fiz hoje
numa só mistura de sensações, em que o coração e o cérebro pareciam embriagados
com a beleza das montanhas do Ruanda, e das pessoas que nos enfeitam a estrada
com os medos de uma primeira missão num mundo perigoso e desconhecido... E hoje
foi também assim, uma mistura. Uma mistura do viver e do vivido, das memórias e
do presente... que começou logo no Memorial do Genocídio em Kigali. Fiz questão
de ir lá outra vez, para que a lição seja bem aprendida e nunca esquecida...
Onde estava eu em 1994? Devia estar na rua com cartazes a dizer: Acabem com o
Genocídio do Ruanda... deveríamos ter estado todos!
E depois esta África negra tão cheia de cor que nos invade a
cada olhar, e nos deixa extramente alegres... Pela estrada fora, todo um mundo
acontece, e não sei se é pela cor preta da pele que vemos tal desfile de
cores... mas é lindo... e num fundo verde.
A ginga dos andares, o dançar como meio de transporte, os
sorrisos que espelham almas, os rabos empinados das mulheres a trabalhar o
campo... o Ruanda tem toda esta beleza da África profunda, num país limpo,
civilizado que até chateia para quem vê algum encanto no caos dos seus vizinhos...
para quem não conhece a história recente deste país até se surpreende com o
civismo do Ruanda onde a polícia até é honesta!
Mas este texto é de mistura, e assim o é o Ruanda. Esta
maravilha no coração de África foi e continua a ser construída pelas misérias
do seu irmão maior, mais pobre e perdido nos confins da guerra: o Congo. Nada
pode explicar o que se passou em 1994, e muito menos o que desde então se passa
no Congo, com o apadrinhamento e patrocínio deste Ruanda, que explora e vive
dos conflitos que diz estar alheio, mas onde colhem o seu maior quintão. E para
mim, tal como foi há 9 anos uma agradável surpresa viver este Ruanda, também o
está ser... mas a caminho do Congo... Será como quem usa uma casaco de Vison e
no dia seguir vai ver o animal em agonia, sem pele, a morrer...numa morte lenta
e dolorosa... como é a guerra do Congo.
É uma mistura este Ruanda, numa mistura de tempos e
sentimentos na minha cabeça, onde o ontem e o hoje se confundem, entre o bom e
o mal que este Ruanda significa para mim... para em breve despir o bonito casaco
e ver o Congo a sofrer.
Parabéns pela capacidade de mostrar uma realidade tão execrável através de um texto tão bonito!
ResponderEliminarObrigada pela sua humanidade!