Querido Porto

Querido Porto,

Há muito que te queria escrever.
Gostava que soubesses o que sinto por ti.
Tenho para ti palavras muito simples para um sentimento tão complexo.

Ficarias surpreendido com o sem número de vezes que penso em ti. Passo horas no silêncio a reviver as tuas memorias. Gosto tanto de te sentir como de sentir a tua falta. Devo-te tudo e cobardemente nunca tu disse.
 
Gostava que soubesses o que sinto por ti.

Se não fosses tu, Porto, o que seria de mim? Quem seria eu, sem a tua inspiração, sem a tua força, sem a tua valentia? Preferia não viver a viver sem ti. Gosto de mim quando te sinto por perto. Enches-me a alma. Fazes-me bem. Desde há muito que sinto por ti uma atracção invisível, inquebrável, à prova de fogo, de bala, de dor, de lágrimas, de tudo!

Gostava que soubesses o que sinto por ti.

Adoro a forma como me contas a tua história, arrepia-me a cadência com que falas comigo. Quando me sento na tua igreja de São Francisco, perco-me na grandiosidade com que me contas, um dos períodos mais fascinantes da tua história, da nossa história. Nunca me canso de olhar para ti, pelo que foste, pelo que és, e pelo que ainda vais ser.

Gostava que soubesses o que sinto por ti.

Sei que falas comigo, e eu ouço-te com atenção. Raros são os dias que não sinto o teu toque, e por vezes queria-te só para mim. Nunca me esqueço dos teus conselhos, naqueles dias em que tudo parecia perdido. Quantas já não foram as lágrimas que me limpaste só porque existes? Lembraste? Agora diz-me, como é que queres que não seja, hoje e sempre, apaixonado por ti? Lembro-me de tantas e tantas vezes, em que te fitava por horas na praça do cubo, e pensava para mim, naquele bom português que me ensinaste: “F####, és lindo e adoro estar dentro de ti!”

Gostava que soubesses o que sinto por ti.

Se calhar não me levas a sério, ou ainda não percebeste porquê. Todas as vezes que vou à tua Sé, pasmo-me como se fosse a primeira vez. É mesmo verdade que tem 900 anos? Como é possível? Tão fresca, tão sólida, tão imponente, tão bonita esta tua Sé! Dai espreito sempre para o rio, e fotografo-te outra vez com os meus olhos, antes de começar a descer-te. E logo a seguir, mesmo sabendo, parece que sou sempre surpreendido...com a magistral Igreja dos Grilos. Talvez as vertigens da descida que a antecedem, ceguem as minhas memórias e tornem este meu espanto sempre virgem. E daí, faço questão de me perder na gravidade que me leva por ti, até ao rio. Todos os recantos me encantam, as varandas, as flores à janela, a roupa a secar nos estendais, o perfume da vida das tuas ruas, as tuas linhas brutas e caóticas, pouco pensadas que te dão tanto charme e carácter.

Gostava que soubesses o que sinto por ti.

Quanto mais te conheço, mais te quero conhecer. Eu sei que não tens culpa das vezes que te virei as costas, fui eu que te deixei, mas quero que saibas que já sofri horrores de saudades tuas, tive momentos em que ao pensar em ti e no quanto sentia a tua falta, quase parava de respirar. Espero que saibas, que gosto muito de ver o mundo, mas nunca te traí, sempre foste tu, Porto, o dono do meu coração. Já fui feliz sem ti, mas nunca fui tão feliz como contigo, e só queria que estivesses lá para ver como eu me sinto quando estou a voltar no avião depois de algum tempo sem te ver e sem ouvir a tua voz. O meu coração quase arrebenta, quando sinto que estou perto de te voltar a tocar. Colo o nariz à janela do avião, e tento registar todas as formas de como te vejo, e choro! Choro literalmente baba e ranho, choro como um arrependido, choro de saudades, choro ao antecipar o iminente abraço que te vou dar, choro porque ainda estás ai, choro por gostar tanto de ti, choro por ser tão bom sentir a tua falta.

Gostava que soubesses o que sinto por ti.

E o Adeus? Como me dói dizer-te adeus. Olho para ti, sem vergonha. Olho-te nos olhos, e faço questão de observar com atenção o máximo de linhas do teu corpo. Quero levar-te comigo, e tento compensar a falta que me vais fazer, as saudades que sei que vou ter sugando-te o quanto posso. Sento-me a olhar para o teu rio, e penso o que seria de mim se nunca mais te voltar a ver, faço-te promessas de amor, que espero que tenhas ouvido, recolho pedaços de ti para levar na minha mochila e faço questão que saibas que se não voltar, tudo o que eu fiz é pelo meu amor por ti. Mas claro, tu sabes que apesar do difícil que é escolher o que mais é que gosto em ti, é no teu mar, no teu oceano, que mais gosto de perder o meu tempo, perder no tempo e perder no teu tempo. Adoro olhar para o teu mar, fascina-me a forma como me inspira, a facilidade com que me molda a personalidade. É ao teu mar, que peço conselhos, é ao teu mar que peço tantas vezes o amparo para me manter de pé, e é ao teu mar que mais me custa virar as costas quando te deixo. Parece que só volto a respirar quando vejo o teu mar de novo. É o teu todo que me faz amar-te tanto, mas não te escondo, que do teu corpo o que eu amo mais é esta massa de água que me hipnotiza.

Gostava que soubesses o que sinto por ti.

E se eu te disser que ainda não te disse nada. E se eu te disser que quase não comecei a fazer-te entender porque gosto tanto de ti. Porque me falta dizer-te qual é a tua pedra mais preciosa. Adoro a tua história, o teu centro, o teu peixe, o teu recorte sinuoso, da tua vista da Serra do Pilar, da forma como o teu rio chega ao teu mar e deste monstro musculado que é o teu Oceano Atlântico. Mas nada disto se compara ao quanto eu gosto da tua gente. Adoro a forma como moldaste o teu povo, a beleza da sua personalidade. Bonitas por fora há outras cidades no mundo, embora nenhuma chegue aos teus pés. Mas o que tu conseguiste fazer ao longo de toda a tua história, da pessoa que te habita, torna-te único, impar, imbatível e incomparável. Adoro sentir a tua gente, é mágica a simplicidade do seu puro sangue. Este sangue azul que ferve em pouca água, que vai sempre atrás das emoções, que não se esconde, que se orgulha do que é, e que transborda orgulho em ti. Este teu povo, de pura raça é o melhor que tu tens, é a tua faceta mais difícil de descobrir, mas de longe a mais bonita. Gente boa, gente nobre, gente que dava a vida para defender a tua honra. Pessoas que sem que tu saibas, tudo fazem para que tenhas orgulho nelas. Genuinamente fortes, cheias de vida, cheias da tua vida. Que bonita é esta tua gente. Orgulha-te muito disso, Porto! Não há alma como a alma das tuas gentes.

Gostava que soubesses o que sinto por ti. Gostava que soubesses que te amo, que te adoro, que não sei viver sem ti. Gostava que soubesses que dava a vida por ti, porque me deste tudo o que eu tenho. Gostava que soubesses que tudo o que queria era ser como tu.

Por todas estas palavras e por muito mais....

Gostava que soubesses o que sinto por ti..... PORTO!





Escrita Criativa 5)

Foi quando acordei e não saí do escuro.
Dizem que foi mentira, e eu sei lá! A rotura com a vida como ela era, deturpa-me o discernimento.
Abri, fechei, abri, fechei os olhos, e nada mudava... Perdido no espaço e no tempo.

Vítima de um passaporte apetecível, levaram-me na esperança que lhes valesse o meu peso em ouro. Mas o meu fado, não era para ser assim. Quis a teimosia da convicção de quem nada deu por mim, que a minha dor se perpetuasse no esquecimento, e fosse exemplar. E nada deram a quem faz do mal a sua vida.

Já não sei o que é não ter dor, mas a maior tortura é alimentarem-me e manterem-me vivo.

A alucinante solidão, mostra-me o caminho para a loucura que é, a minha mais doce companhia. Mergulho na completa insanidade, e dou aos braços em correntes e torrentes de pensamentos fantasticamente desprovidos de nexo.

Toda a construção de um ser, desmembrada, amputada, lobectomizada, pela retirada dos mais básicos pontos de sustentação de um humano.

Sofro, mas não choro.

Quase, me divirto na loucura. Quase, fascinado pela descoberta de caminhos labirínticos na mente que me fazem andar, sem me levar a destino nenhum. Quase, perco o sentido da vida. Quase, morro! Quase, perco a alma!

Mas agarro-me com fortes amarras a este “quase”, sabendo que disso depende a minha vida, ou pelo menos uma vida que ainda interessa.

E fujo, fujo, fujo dentro da labirinto da minha loucura, ouço de ecos de “quase” a pulsar no meu crânio, e corro, corro, corro... Mas tenho tanto de determinação, como de desnorte, e quando “quase” perco o folgo, sinto o teu toque.

Rodo-me para o ombro, que me tocaste, e volto a olhar a vida. Vejo a tua cara e sinto-me humano. E nas tuas rugas, nas nossas rugas, sinto o pulso das nossas vidas. Vejo as fotos dos nossos momentos, embalo na música da tua conversa, e grudo no ecrã com os vídeos dos nossos momentos de paixão.

Depois do que terão sido anos, sem te ver, pego na conversa, que nunca se interrompeu, e relembro o quanto gosto de te ouvir pensar, o quanto me inspiras, o quanto de amo.

Sinto-me feliz!


E ao abraçar essa felicidade, sozinho e na escuridão total, aprendo a mais importante lição de uma vida: “Aconteça o que acontecer, a felicidade depende apenas e só da nossa cabeça!”

Escrita Criativa - 4)



Esta é a história do Amor.
De amor? Não! Do Amor.

Quem me contou, viu tudo o que se passou.
Foi o Não. Sim, o João Não. E o Não não mente.

O Não viu o Amor nascer, na mais pura das pobrezas, com uma beleza ingénua de quem nada tem. As ruas moldaram o carácter do jovem Amor.

O Amor tinha aquela magia, de quem ri e faz sorrir. Tinha aquele encanto hipnotizante e contagiante, de quem brilha e faz brilhar. Nem o mais dos sisudos, resistia a anunciar a sua passagem com um: “Olá Amor!”.

Já na escola, o João Não seguiu de perto o brotar do Amor.  O Não não teria estado tão perto, não fosse a sua mais-que-tudo pequena Manuela, companheira de aventuras de meninos e meninas, na mesma sala de aulas do pequeno grande Amor.

Manuela de caracóis loiros, e olhos tímidos deliciava a classe docente. O seu também doce, saber estar, fazia prometer o fim da guerra no mundo, para as delícias do meu amigo Não orgulhoso.

O Amor cresce, a Manuela também, e o amor explode.

No antagonismo, se solidifica a cumplicidade. Crescem um no outro, impregnam-se mutuamente, por todas as linhas do corpo até às impressões digitais.

Mas calma! Desenganem-se! Esta é a história do Amor, não é uma história de amor.

Manuela Não, queria mais da vida, boa cabeça, muita ambição, foram os ingredientes suficientes, para voltar costas ao amor pelo Amor, e seguir sua vida para a capital estudar Direito.

Claro! O Amor escureceu de raiva... Com uma visão da vida mais curta, mais pura, mais intensa... O Amor sem amor perdeu o norte.

Diz o Não, que o Amor já não é humano.

O Amor misturou-se com o álcool, não se poupou às drogas, tornou-se agressivo. Uma besta, um monstro! Com os olhos raiados de sangue rosnava à vida, amedrontava as ruas.

Ocorreu um crime, nas ruas de toda a gente... Apesar de ninguém ter visto, os dedos foram todos na direcção deste horrível Amor.

Enjaularam-no como um animal, antes que a fúria popular desse a sentença antes do julgamento final.

Indiferente com o destino da sua alma, arrasta o barulho das pesadas correntes para dentro dum tribunal em fúria e diz o Amor: “Não fui eu!”

Já ninguém acredita no Amor. Mas a juíza, surpreendam-se, era a filha do João.

E, Manuela Não acreditava no Amor.



Escrita Criativa - 3)





O meu nome é Ahmed. Não desistir da minha cidade, que eu amo, Aleppo, tem sido uma escola de vida.
Dizer que estou habituado, em nada ameniza a minha dor.
Tinha 17 anos, quando o rastilho da primavera Árabe, nos deu forças para ir para a rua, na crença que estava também na nossa hora de ser livres...

Mas aqui, os sonhos pagam-se caro!

A minha juventude, aliou-se à minha rebeldia, na luta pela utopia, e fui atrás das palavras de ordem que ecoavam, nas ruas do meu bairro; “Democracia, Liberdade, Fim da Ditadura”, para me juntar à manifestação dos que respiram o meu sangue. A minha mãe chorava, enquanto agarrava os meus 3 irmãos, e eu sem pensar, disse-lhe o que me ia na alma; “Mãe, vou para a rua, pela Síria! Se eu não voltar, é porque fui com ela!” E foi a última vez que senti o calor da minha mãe. Na minha ausência, um MIG, bombardeou o meu prédio, e com ele desapareceu tudo o que tinha.

A viver na rua, sozinho com o mundo, a minha luta mais difícil, foi prometer a mim mesmo, que nunca levantaria uma arma. Mas luto com a coragem inigualável de quem já não tem nada a perder.

Escrevo.
Leio.
Faço escrever.
E faço ler.

Aleppo despiu-se da sua alegria milenar, e viu fugir as suas mães e seus filhos, para bem longe dos seus horizontes, para bem longe dos presentes explosivos que recebe dos céus.

Eu escrevo e leio por quem o não sabe fazer, e todos os dias luto contra as probabilidades de quem entra e sai da cidade, para que o amor, os carinhos, as saudades, e os manifestos de esperança se façam chegar, entre a cidade e parte das suas gentes fugidas, nos campos de refugiados que cresceram como cogumelos na fronteira.

Mas aprendi, que viver é perder.

Já há muito, que não temo pelas bombas, mas o peso das cartas que carrego, não pára de aumentar. Todos os dias, vejo a dor das mães que cavam fundo, a ferida de quem perdeu um amor, o desespero das mulheres, que nunca mais terão quem lhes alimente os filhos.

Aqui os sonhos pagam-se em lágrimas, em sangue, em vidas.

E todos os dias me pergunto, com quantas vidas se escrevem as palavras, “DEMOCRACIA, LIBERDADE, FIM DA DITADURA”, nas terras da minha amada Síria?


Desistir? Não, obrigado!

Escrita Criativa - 2)





         Acordei num Sábado, ressacado e chateado com a noite anterior e com a vida em geral. Era tarde de mais para me sentir saudável, e demasiado cedo para não sair de casa... Era o momento para assumir algumas rotinas, para não perder o norte da vida. Tomo um banho e visto uma roupa qualquer.... Tenho um plano, é dizer a mim próprio que “está tudo bem” e refazer esse plano, a cada meia hora.
Não sei bem o que fiz ontem, mas hoje vou fazer melhor. Entro no café de sempre, abro o jornal, para me distrair com as letras grandes, enquanto tento acordar para a vida, ainda demasiado intoxicado para fumar um cigarro. A funcionar por puro instinto, ao passar os olhos na chave do Euromilhões, meto a mão ao bolso de trás, e alcanço o papel do dito jogo que cria excêntricos, com a ponta dos dedos da mão, que entretanto ficou cheio de tabaco e pedaços de mortalhas....
Não! Não posso acreditar! Arrebento por dentro, mas não me desfaço. Aguento a cara séria enquanto sinto a energia do meu corpo a multiplicar-se de uma forma exponencial e a transbordar por todos os poros do meu corpo. Fujo do café para refazer o meu plano. Não “está tudo bem”, está tudo inacreditável e espectacularmente bem!
Ora bem, o meu plano: comprar aquele carro que não anda, desliza ou se calhar compro três. Vou comprar aquele palácio em cima do mar, e dar festas todos os dias, cheio de amigos e aviões de mulheres de todos os países eslavos que me lembrar do nome. Comprar um jacto e mergulhar em todas as ilhas do planeta. Nunca mais vou trabalhar, nem eu, nem os meus muitos filhos que vou ter de várias mulheres.
Desaceloro as ideias, e olho para o papel. Será isto que me vai fazer feliz? Qual o valor de um carro que nos caiu nas mãos sem esforço? De que vale o dinheiro, que não representa o nosso suor? Que amores são esses comprados á medida, alimentados a dinheiro sem história?

Foi preciso estar tão perto de tudo o que achava que queria, para saber que não era aquilo. Nunca vi o meu plano de vida tão claro. Rasgo o papel, e tomo a decisão de ir à luta, com a certeza que a felicidade é o caminho e nunca o destino final.

Escrita Criativa - 1)



Parado no trânsito, nem para a frente, nem para trás, no horizonte, apenas as piores das heranças da humanização, carros, asfalto, fumos e betão. Nada para fazer, nada para ver, e nenhum sítio para onde ir. ERRADO! Está na mente a melhor das viagens.
Posso ver tudo, fazer tudo e ir para onde me apetecer. Liberto-me do tempo e do espaço, e deixo que o meu rol de possibilidades esbarre no infinito. Vou ser feliz. Vou até àquela praia idílica de areia branca e fina, água azul turquesa, abraçada por uma falésia gigante, com golfinhos a brincar com as ondas. Não!
Vou subir o Evarest, vou tocar no céu, vou perder-me no tempo, rodeado de montanhas brancas, e vales de cortar a respiração. Vou alimentar a minha espiritualidade, enquanto passo dias a conversar com a montanha. Não!
Vou ao fundo do mar, e de olhos bem abertos, ver as cores, ver as formas, ver a vida, ver a história dos barcos naufragados, ver os corais, ver as plantas, ver os peixes. Não!
Vou voar, vou sobrevoar a Amazónia, a muralha da China, vou ver o Nilo da Etiópia ao Egipto, vou ver os glaciares no pólo Norte. Não!
Vou andar para trás, vou ver como era a vida no útero da minha mãe, voltar a sentir o que sentia quando recebia o seu sangue, o seu oxigénio, o seu calor e os seus alimentos. Não!
Vou falar com os meus avôs, pedir que me ensinem a viver, que me digam o que não fazer, que me libertem um bocadinho da sua sapiência, para que eu encontre sempre o meu caminho. Não!
Vou dar um beijinho às minhas avós, dizer-lhes que tenho muitas saudades delas, pedir-lhes desculpa por todas as asneiras que fiz, e dedicar-lhes tudo aquilo que fiz bem feito na vida. Não!
Vou mais atrás, quero ver a cara dos nossos descobridores, quando se lançavam ao mar, sem saber se iam voltar. Vou dobrar o cabo da Boa Esperança ao lado de Bartolomeu Dias, vou engolir o mundo na caravela de Fernão Magalhães. Não!
Vou viajar ao futuro, ver quando é que acabaram todas as guerras do nosso planeta e aprender como é que as pessoas conseguiram viver na tolerância, e vou, na volta, trazer comigo essa mensagem de esperança....

O momento está na nossa cabeça e a felicidade sempre nas nossas mãos. Adoro estar parado no trânsito!

A Bonita História de Gobegnu - Parte 1


(É incrível, quando estamos a virar a casa do avesso ou a tentar que ela volte a ter alguma espécie de arrumação, as pérolas históricas que encontramos e relemos…. algumas delas muito dolorosas, mas sobre essas acho que não tenho a coragem de escrever…. Mas esta história, vale a pena, faz me reviver uma pessoa linda, e um sítio fantástico. Lembro-me perfeitamente de estar em Arusha na Tanzania, a escrever estes gatafunhos que agora encontrei sobre esta história fantástica, antes de ir sozinho para um inesquecível Safari…. bons tempos! E agora então transcrevo esta história inacabada ( não sei porquê) que tentarei acabar hoje.)

Chego a Lalibela no dia 30 de Outubro, véspera do meu aniversário de 29 anos. Lalibela, este incrível sítio no norte da Etiópia, estará provavelmente na lista dos locais mais impressionantes deste planeta. No meio duma lindíssima paisagem de montanhas, encontram-se as igrejas escavadas nas rochas, há cerca de 800 a 1000 anos, a mando do rei que mais tarde veio a dar o nome a esta vila/cidade. O primeiro europeu a pôr os olhos nestas magníficas construções terá sido um padre português de nome Francisco Alves, no século XVI, que relata nos seus escritos de viagens que não poderia descrever o que estava a ver, para não correr o risco de ser tomado como mentiroso....

Estou eu então, neste local super especial pela sua localização nas montanhas, pela sua riqueza histórica e sendo-se ou não crente, envolto numa espiritualidade que toca a todos.

Entro numa pequena lojinha, dentro de uma espécie de contentor, para ir à internet quando conheço a dona desta mesma loja..... Gobegnu, uma linda rapariga de 27 anos com um sorriso por demais acolhedor, que muito gesticulava e emitia uns sons totalmente incompreensíveis..... de imediato um amigo dela que estava na loja me diz que esta jovem é surda! Como médico, infelizmente já muito habituado ao sofrimento dos outros, não me impressiono mas obviamente que fico tocado.

Enquanto tentava ler os meus emails, nesta internet extremamente lenta, a Gobegnu por gestos e sons e com a ajuda do tal amigo conversa comigo e de alguma forma a comunicação é possível. Estando eu de calções e sapatilhas com ar desportista, ela pergunta-me se eu corro ou se gosto de correr, e eu de imediato respondo que sim. Pergunta estranha, mas o amigo explica-me que a Gobegnu é uma excelente atleta, sendo campeã da região norte e 2ª da Etiópia dos 1500 metros. Não percebendo muito destas modalidades, num país como a Etiópia com um sem número de campeões olímpicos, fico obviamente impressionado.
Conversa puxa conversa, sempre de uma forma muito pouco usual para mim, ela pergunta-me se eu quero correr com ela no dia seguinte..... Estando Lalibela a uma altitude de quase 3000 metros e num terreno muito acidentado, cheio de subidas e descidas, eu tento desde logo desculpar-me dizendo que estou habituado a correr à beira mar, a 0 metros de altitude e num terreno totalmente plano.

Mas respondo que sim, que seria um enorme prazer no dia dos meus anos partilhar esta corrida, com esta rapariga que me dava muitos sinais de ser um ser humano fora do normal.

31 de Outubro de 2009, achava eu que tinha combinado às 7:00 da manhã, quando alguém bate à porta do quarto do meu hotel, às 6:00. Dentro da cama pergunto: “quem é?” e não obtenho nenhuma resposta, ou não fosse ela surda. Vou à porta totalmente ensonado depois de ouvir pela segunda vez alguém bater à porta e vejo esta linda rapariga com o tal sorriso que mais uma vez me ilumina o coração e no seu traje de atleta, onde claramente dá para ver que aquelas pernas já correram muitos Kms. Tendo em conta que a comunicação era obviamente limitada entre nós, enquanto bocejava apenas lhe faço sinais dizendo que precisava de 5 minutos. E é assim que começo o meu dia de anos, na mística cidade de Lalibela, com a Gobegnu às 6:00 a sorrir para mim e pronta para me “matar” neste jogging matinal.

Lavo os dentes e a cara, ponho uns calções e umas sapatilhas e aí vou eu. Como muitos outros sítios em África, a vida para muita gente começa bem cedo com o nascer do sol e é lindo ver toda esta gente nos primeiros raios de sol. Talvez de especial na Etiópia e muito positivo na minha opinião é ver que muita gente faz desporto logo pela manhã.

Tal como combinado, o objectivo era evitar muitas subidas e descidas, o que era obviamente impossível. É incrível ver a gente, ver o povo bem de perto, olhá-los bem nos olhos enquanto o tempo vai passando e as pernas vão aguentando. Ver o sol nascer por trás das montanhas com mais de 3500 metros e contemplar esta paisagem única enquanto controlava a respiração. Íamos comunicando por sinais coisas simples sobre o que víamos e sobre o ritmo da corrida enquanto a Gobegnu me dava conselhos sobre a respiração. Após 1 hora desta que terá sido provavelmente a corrida mais incrível da minha vida, cheguei ao fim claramente exausto e com dores por todo o corpo e com a certeza de que esta minha nova amiga correu a um ritmo bastante mais lento que o seu habitual.


Depois de sozinho visitar pela segunda vez as espectaculares igrejas de Lalibela e ter passado umas horas bem espirituais e com muita introspecção no meu dia de anos, fui novamente à Lojinha da Gobegnu onde conheci a sua mãe que sabendo um pouco de inglês me explicou que a sua filha pelo que eu percebi terá tido uma infecção com 2 anos de idade que lhe causou a surdez para a vida.

Não sabendo como festejar o meu dia de anos, resolvo convidar a Gobegnu para jantar comigo. Quase sempre no meu dia de anos estou rodeado de muita gente, gente que conheço há muito tempo, família e amigos de quem eu gosto muito e que eu sei também que gostam de mim. Para muita gente o dia de anos não acarreta demasiada importância, mas eu faço parte do grupo de gente que gosta muito do seu dia de anos e que lhe atribui um grande simbolismo. Gosto muito de ter gente à minha volta, de festa, de risos, de muitos copos e diversão. 

Mas desta vez foi muito diferente, muito calmo, sem ninguém que esteja realmente ligado a mim e com esta rapariga super especial, mas com quem a comunicação tinha enormes barreiras. Ela lia muito bem os lábios na sua língua (Amarihgna) e conseguia compreender lendo os lábios algumas palavras em inglês, mas quando eu escrevi num papel em inglês, apercebi-me que o seu inglês era extremamente limitado. Restava-nos os gestos! Não sabendo eu nada sobre linguagem gestual, intuitivamente algumas mensagens conseguimos passar um para o outro. E assim foi o meu jantar de anos, recebendo também durante o dia alguns telefonemas daqueles que eu tanto gosto e de quem tanta falta sentia e ainda sinto. Que dia de anos tão diferente e tão inesperado....

No hotel onde jantei com a Gobegnu, tive ainda tempo para ouvir a típica música do norte da Etiópia com as suas extremamente particulares danças com movimentos principalmente dos ombros, mas também da cabeça e do pescoço... incríveis, difíceis de descrever e bem mais difíceis de imitar. Como quase todas as outras pessoas do norte da Etiópia também a Gobegnu sabia fazer estes incríveis movimentos com os ombros e com a cabeça. Mas o que de imediato me enchia a cabeça de perguntas era: Como é que se pode dançar sem ouvir a música? Como é que se pode sentir o ritmo sem ouvir? Não consigo de forma alguma responder a estas perguntas, mas o que é facto é que a Gobegnu conseguia e quem não soubesse jamais imaginaria que ela não conseguia ouvir a música ao sabor da qual estava a dançar....

(fim de escritos de 2009, em Arusha....mas história ainda por acabar)