Escrita Criativa - 4)



Esta é a história do Amor.
De amor? Não! Do Amor.

Quem me contou, viu tudo o que se passou.
Foi o Não. Sim, o João Não. E o Não não mente.

O Não viu o Amor nascer, na mais pura das pobrezas, com uma beleza ingénua de quem nada tem. As ruas moldaram o carácter do jovem Amor.

O Amor tinha aquela magia, de quem ri e faz sorrir. Tinha aquele encanto hipnotizante e contagiante, de quem brilha e faz brilhar. Nem o mais dos sisudos, resistia a anunciar a sua passagem com um: “Olá Amor!”.

Já na escola, o João Não seguiu de perto o brotar do Amor.  O Não não teria estado tão perto, não fosse a sua mais-que-tudo pequena Manuela, companheira de aventuras de meninos e meninas, na mesma sala de aulas do pequeno grande Amor.

Manuela de caracóis loiros, e olhos tímidos deliciava a classe docente. O seu também doce, saber estar, fazia prometer o fim da guerra no mundo, para as delícias do meu amigo Não orgulhoso.

O Amor cresce, a Manuela também, e o amor explode.

No antagonismo, se solidifica a cumplicidade. Crescem um no outro, impregnam-se mutuamente, por todas as linhas do corpo até às impressões digitais.

Mas calma! Desenganem-se! Esta é a história do Amor, não é uma história de amor.

Manuela Não, queria mais da vida, boa cabeça, muita ambição, foram os ingredientes suficientes, para voltar costas ao amor pelo Amor, e seguir sua vida para a capital estudar Direito.

Claro! O Amor escureceu de raiva... Com uma visão da vida mais curta, mais pura, mais intensa... O Amor sem amor perdeu o norte.

Diz o Não, que o Amor já não é humano.

O Amor misturou-se com o álcool, não se poupou às drogas, tornou-se agressivo. Uma besta, um monstro! Com os olhos raiados de sangue rosnava à vida, amedrontava as ruas.

Ocorreu um crime, nas ruas de toda a gente... Apesar de ninguém ter visto, os dedos foram todos na direcção deste horrível Amor.

Enjaularam-no como um animal, antes que a fúria popular desse a sentença antes do julgamento final.

Indiferente com o destino da sua alma, arrasta o barulho das pesadas correntes para dentro dum tribunal em fúria e diz o Amor: “Não fui eu!”

Já ninguém acredita no Amor. Mas a juíza, surpreendam-se, era a filha do João.

E, Manuela Não acreditava no Amor.



Escrita Criativa - 3)





O meu nome é Ahmed. Não desistir da minha cidade, que eu amo, Aleppo, tem sido uma escola de vida.
Dizer que estou habituado, em nada ameniza a minha dor.
Tinha 17 anos, quando o rastilho da primavera Árabe, nos deu forças para ir para a rua, na crença que estava também na nossa hora de ser livres...

Mas aqui, os sonhos pagam-se caro!

A minha juventude, aliou-se à minha rebeldia, na luta pela utopia, e fui atrás das palavras de ordem que ecoavam, nas ruas do meu bairro; “Democracia, Liberdade, Fim da Ditadura”, para me juntar à manifestação dos que respiram o meu sangue. A minha mãe chorava, enquanto agarrava os meus 3 irmãos, e eu sem pensar, disse-lhe o que me ia na alma; “Mãe, vou para a rua, pela Síria! Se eu não voltar, é porque fui com ela!” E foi a última vez que senti o calor da minha mãe. Na minha ausência, um MIG, bombardeou o meu prédio, e com ele desapareceu tudo o que tinha.

A viver na rua, sozinho com o mundo, a minha luta mais difícil, foi prometer a mim mesmo, que nunca levantaria uma arma. Mas luto com a coragem inigualável de quem já não tem nada a perder.

Escrevo.
Leio.
Faço escrever.
E faço ler.

Aleppo despiu-se da sua alegria milenar, e viu fugir as suas mães e seus filhos, para bem longe dos seus horizontes, para bem longe dos presentes explosivos que recebe dos céus.

Eu escrevo e leio por quem o não sabe fazer, e todos os dias luto contra as probabilidades de quem entra e sai da cidade, para que o amor, os carinhos, as saudades, e os manifestos de esperança se façam chegar, entre a cidade e parte das suas gentes fugidas, nos campos de refugiados que cresceram como cogumelos na fronteira.

Mas aprendi, que viver é perder.

Já há muito, que não temo pelas bombas, mas o peso das cartas que carrego, não pára de aumentar. Todos os dias, vejo a dor das mães que cavam fundo, a ferida de quem perdeu um amor, o desespero das mulheres, que nunca mais terão quem lhes alimente os filhos.

Aqui os sonhos pagam-se em lágrimas, em sangue, em vidas.

E todos os dias me pergunto, com quantas vidas se escrevem as palavras, “DEMOCRACIA, LIBERDADE, FIM DA DITADURA”, nas terras da minha amada Síria?


Desistir? Não, obrigado!

Escrita Criativa - 2)





         Acordei num Sábado, ressacado e chateado com a noite anterior e com a vida em geral. Era tarde de mais para me sentir saudável, e demasiado cedo para não sair de casa... Era o momento para assumir algumas rotinas, para não perder o norte da vida. Tomo um banho e visto uma roupa qualquer.... Tenho um plano, é dizer a mim próprio que “está tudo bem” e refazer esse plano, a cada meia hora.
Não sei bem o que fiz ontem, mas hoje vou fazer melhor. Entro no café de sempre, abro o jornal, para me distrair com as letras grandes, enquanto tento acordar para a vida, ainda demasiado intoxicado para fumar um cigarro. A funcionar por puro instinto, ao passar os olhos na chave do Euromilhões, meto a mão ao bolso de trás, e alcanço o papel do dito jogo que cria excêntricos, com a ponta dos dedos da mão, que entretanto ficou cheio de tabaco e pedaços de mortalhas....
Não! Não posso acreditar! Arrebento por dentro, mas não me desfaço. Aguento a cara séria enquanto sinto a energia do meu corpo a multiplicar-se de uma forma exponencial e a transbordar por todos os poros do meu corpo. Fujo do café para refazer o meu plano. Não “está tudo bem”, está tudo inacreditável e espectacularmente bem!
Ora bem, o meu plano: comprar aquele carro que não anda, desliza ou se calhar compro três. Vou comprar aquele palácio em cima do mar, e dar festas todos os dias, cheio de amigos e aviões de mulheres de todos os países eslavos que me lembrar do nome. Comprar um jacto e mergulhar em todas as ilhas do planeta. Nunca mais vou trabalhar, nem eu, nem os meus muitos filhos que vou ter de várias mulheres.
Desaceloro as ideias, e olho para o papel. Será isto que me vai fazer feliz? Qual o valor de um carro que nos caiu nas mãos sem esforço? De que vale o dinheiro, que não representa o nosso suor? Que amores são esses comprados á medida, alimentados a dinheiro sem história?

Foi preciso estar tão perto de tudo o que achava que queria, para saber que não era aquilo. Nunca vi o meu plano de vida tão claro. Rasgo o papel, e tomo a decisão de ir à luta, com a certeza que a felicidade é o caminho e nunca o destino final.

Escrita Criativa - 1)



Parado no trânsito, nem para a frente, nem para trás, no horizonte, apenas as piores das heranças da humanização, carros, asfalto, fumos e betão. Nada para fazer, nada para ver, e nenhum sítio para onde ir. ERRADO! Está na mente a melhor das viagens.
Posso ver tudo, fazer tudo e ir para onde me apetecer. Liberto-me do tempo e do espaço, e deixo que o meu rol de possibilidades esbarre no infinito. Vou ser feliz. Vou até àquela praia idílica de areia branca e fina, água azul turquesa, abraçada por uma falésia gigante, com golfinhos a brincar com as ondas. Não!
Vou subir o Evarest, vou tocar no céu, vou perder-me no tempo, rodeado de montanhas brancas, e vales de cortar a respiração. Vou alimentar a minha espiritualidade, enquanto passo dias a conversar com a montanha. Não!
Vou ao fundo do mar, e de olhos bem abertos, ver as cores, ver as formas, ver a vida, ver a história dos barcos naufragados, ver os corais, ver as plantas, ver os peixes. Não!
Vou voar, vou sobrevoar a Amazónia, a muralha da China, vou ver o Nilo da Etiópia ao Egipto, vou ver os glaciares no pólo Norte. Não!
Vou andar para trás, vou ver como era a vida no útero da minha mãe, voltar a sentir o que sentia quando recebia o seu sangue, o seu oxigénio, o seu calor e os seus alimentos. Não!
Vou falar com os meus avôs, pedir que me ensinem a viver, que me digam o que não fazer, que me libertem um bocadinho da sua sapiência, para que eu encontre sempre o meu caminho. Não!
Vou dar um beijinho às minhas avós, dizer-lhes que tenho muitas saudades delas, pedir-lhes desculpa por todas as asneiras que fiz, e dedicar-lhes tudo aquilo que fiz bem feito na vida. Não!
Vou mais atrás, quero ver a cara dos nossos descobridores, quando se lançavam ao mar, sem saber se iam voltar. Vou dobrar o cabo da Boa Esperança ao lado de Bartolomeu Dias, vou engolir o mundo na caravela de Fernão Magalhães. Não!
Vou viajar ao futuro, ver quando é que acabaram todas as guerras do nosso planeta e aprender como é que as pessoas conseguiram viver na tolerância, e vou, na volta, trazer comigo essa mensagem de esperança....

O momento está na nossa cabeça e a felicidade sempre nas nossas mãos. Adoro estar parado no trânsito!