A experiência africana é um mundo de descobertas e
surpresas. E este coração africano que é a Rep. Centro-Africana simboliza bem o
espectro de magia e aventuras com que nos deparamos. Soa a cliché, mas tudo é
diferente. A cor da terra alaranjada, o céu límpido que nos desenha pores-do-sol
de cores inimagináveis, os tons de verde, o sabor da fruta, a intensidade das
tempestades... É uma experiência a 360º de cores, cheiros e sabores que nos
fazem levitar em sensações completamente virgens, quase todas elas
maravilhosas... E há vida, há muita vida. Os lagartos com cores exóticas que se
passeavam pela maternidade de Bangui, as baratas gigantes que pareciam
transgénicas no quarto de banho da nossa casa, e outros insectos de todos os
tamanhos e feitios, que eu nem sei pôr o nome... Mas num belo dia, fui
surpreendido com um fenómeno absolutamente inédito e insólito para muita gente.
A casa onde eu vivia em Bangui, tinha muros bem altos. E num
final do dia comecei a ouvir uns barulhos algo estranhos junto a um dos cantos
murados, perto do meu quarto... Como Bangui é muito perto do equador, é sempre
12 horas de dia e 12 horas de noite... Eram umas 19.00 mas já estava bem
escuro. Estava a ler um livro no meu quarto, quando começo a ouvir um concerto
de insectos a esvoaçar de uma intensidade que até assustava... A primeira
reacção é claro, medo. Era um Bzzzzzzzzzz, muito intenso como se fossem
abelhas... e da janela do meu quarto, na escuridão (mas com luzes de presença) parecia-me
ver uma nuvem de insectos com vida própria... Logo de seguida com enorme entusiasmo
apareceram os guardas da nossa casa, hipnotizados com o acontecimento... Eram térmitas
voadores.
Centenas, milhares ou milhões, é difícil dizer, era uma
nuvem de térmitas voadores que num devaneio colectivo se encurralaram naquele
canto da casa e numa entropia total suicidavam-se contra as paredes como se
tivessem aterrorizados, hipnotizados ou possuídos por algum demónio que os
fazia querer que a morte era o melhor remédio.
Este espetáculo consiste então numa nuvem que vai perdendo densidade
à medida que os bichos se vão esborrachando contra a parede e caindo no chão
mortos ou atordoados... E os guardas de olhos arregalados vieram munidos de
baldes de água que atiravam para a nuvem em movimento, para a parede da morte,
e para o chão garantindo assim que os insectos morriam mesmo e não esvoaçavam
para lado nenhum, para depois os recolher a todos num balde.
Foi dos acontecimentos naturais ao vivo mais incríveis que
já vi até hoje.
Até este dia, para mim, apenas associava os térmitas aquelas
pirâmides gigantes que já algumas vezes tinha visto em planícies africanas, e
que são conhecidas pela sua elaborada arquitectura e minuciosa construção de
cidades de grande complexidade, onde tudo isto é conseguido graças a uma
sociedade altamente organizada e hierarquizada, lideradas pelo regime
totalitário de um rei e uma rainha. Acontece que este nobre casal que acasala
para a vida que pode ir até 20 anos, perfilha milhões de outros térmitas, uns
são soldados outros trabalhadores... E há uma pequena percentagem que adquirem
capacidade de se reproduzir e com isto ganham asas, que são apenas temporárias.
E num determinado click dado por alterações de temperaturas ou chuvas, saem da
sua colónia em massa para encontrarem outras colónias e continuarem o ciclo. E
por vezes o seu percurso é sabotado por uma luz, ou um obstáculo que lhes
altera o plano por completo.
E depois de ter estudado um pouco sobre o assunto foi a
leitura com que fiquei deste fenómeno de suicídio colectivo, que me fez pensar
bastante sobre alguns mistérios da mãe natureza. Certo é que entre os que
suicidaram, os que os guardas mandaram a baixo com a água, e os que perderam as
asas por natureza, encheram baldes de térmitas como quem apanha dinheiro que
cai do céu, porque na verdade a dimensão do milagre, bem romanceado resume-se a
isso: riqueza que cai do céu.
No fim do espetáculo, alimentado pela minha curiosidade
aproximei-me da cabaninha dos guardas, que não demoraram a preparar a iguaria.
Nada mais fácil de cozinhar. Só é preciso fogo e uma frigideira. Os térmitas
libertam uma espécie de gordura que os faz deslizar com suavidade numa qualquer
frigideira ou panela. E depois é pôr uma pitada de sal e já está.
O que também não tem preço é a cara de felicidade dos
guardas centro-africanos, pelas delícias que inesperadamente lhes caíram no
prato. Há muita gente que morre de fome na RCA. Há muita gente que não come
todos os dias neste país. Há muita gente que come só uma vez por dia. Há muita
gente que só muito raramente come carne ou peixe. E estes térmitas são uma
iguaria. Riquíssimos em proteínas, com um pedaço de pão fazem uma refeição
maravilhosa e nutriente.
Como estava com o nariz dentro da sua casinha, ofereceram-me
a provar, mas surpreendido, meio receoso, e sem querer roubar comida a quem tem
pouca, tive a reacção instinctiva de recusar... e dei meia-volta algo
arrependido por não ter sido mais audaz.
Mas no dia seguinte ao voltar do hospital, disseram-me que
tinha uma surpresa no frigorifico. E lá estava, um bom trato cheio de térmitas
fritos no dia anterior. Agora já não ia vacilar... Não gosto de deixar nada por
fazer. Viajar, descobrir, explorar, conhecer, crescer, ser um deles por uns
momentos é tudo parte da vida, como eu a gosto de viver. Ainda ofereci aos meus
companheiros de casa a partilha desta experiência de sabores exóticos, mas
ninguém quis correr o risco.
Sozinho então. Nem hesitei, 3 ou 4 lá para dentro. E
rapidamente foi uma mão cheia. Que maravilha. Que delícia. De uma consistência
muito crocante e estaladiça, salgadinho e imensamente saboroso. Intenso, forte
a ponto que ainda me durou por uns dias. Cada vez que chegava a casa “mandava a
baixo” uma mão cheia deles como aperitivo e soube pela vida, estas saborosas
delícias vindas do céu.
Você é doido! Hahaha
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