Africa Connections - O bilhete por baixo da porta

(Lembro-me como se fosse hoje, foi muito forte, muito intenso. Apanhei o taxi mais cedo para o aeroporto, para poupar dinheiro e aproveitar o voucher de um que estava comigo na "pensão super rasca", e quando finalmente tive uns momentos para pensar sentei-me em frente a um computador no aeroporto de Bruxelas, e escrevi de rajada estas palavras que revivo hoje e vos deixo aqui, enquanto chorava baba e ranho..... Sempre foi esse o me estilo, gosto de dizer o que sinto, mas muitas vezes é divicil fazê-lo em pessoa, por muitos motivos e como tal, este email que escrevi à família e amigos, é como de quem sai sem querer acordar e deixa um bilhete por baixo da porta!)

(Início de Julho de 2009, Aeroporto de Bruxelas)


(desculpem, as gralhas, a falta de cedilhas, etc, mas o teclado não era dos nossos :) )


Ola
Estou neste momento sozinho no Aeroporto de Bruxelas, e tenho finalmente tempo desde os ultimos dias para pensar e escrever um email. Ha mil e uma coisas q gostava de dizer. Sem duvida a principal razao pela qual faco questao de escrever este email e para vos agradecer . Tenho inumeros motivos para vos agradecer . Agradecer a todos os presentes na minha festinha de despedida, adorei ter vos tido la, agradecer aqueles q nao podendo ir me ligaram ou escreveram a manifestar a tristeza de nao poderem estar presentes, agradecer pelas mensagens de apoio e forca q fui recebendo ao longo dos ultimos dias ....agradeco mesmo muito por tudo isso ! Tudo o que estou a fazer , faco-o por mim , com a total certeza que nao na tentativa de embelezar a historia da minha vida ou tornar-me mais interessante para os outros q tomei a decisao q tomei, faco-o porque vou a procura do que todos procuramos na nossa vida .....da Felicidade , e esta e uma forma que eu penso que vai ajudar a construir a minha .....ou seja ha muito egoismo neste aparente autruismo....Nao quero mesmo romancear uma historia que ainda nem comecou .... Queria no entanto dizer-vos q vos levo no meu coracao ....E bom levar comigo tantas memorias tao boas de tanta gente q eu sei q esta a torcer por mim , mas ao mesmo tempo e o q torna esta partida tao dificil e tao penosa sabendo das saudades q vou ter do meu mundo .... Levo comigo a cachecol do FCPorto, q neste momento representa muito mais do q um clube de futebol ....representa a cidade que eu amo , onde estao as pessoas q eu amo ....representa o meu mundo q eu levo aqui bem perto de mim ....e bem a vista para q todos vejam o q eu levo comigo .....nao consigo evitar que me caiam as lagrimas nos olhos ....vou para mto longe !! 


Nao so em termos de distancia real , mas acima de tudo de distancia e diferenca de mundos .... Nao sei bem o q me espera , mas apesar de muito cansativo o meu dia de ontem onde fui metralhado com informacao toda ela muito importante, tive a oportunidade de falar com muita gente q esteve para onde eu vou e fez parecer a minha viagem mais "normal" e "banal" retirando alguma tensao e carga emotiva q eu tinha .....E espectacular o mundo dos Medicos Sem Fronteiras ....e realmente um orgulho ser um grao de areia nesta imensidao de gente que tens os olhos postos em practicamente todos os cantos do mundo esquecidos por vezes inocentemente pela maioria dos mortais ....e incrivel a quatidade de gente q la trabalha e a forma como a organizacao se processa .....penso q dificilmente terao a noçao da grandeza desta organizacao ....na sede (e atencao q apenas possa falar da delegacao Belga q apesar de ser uma das maiores ha mtas outras) fala se todas as linguas ve se gente de todas as cores e sente se uma atmosfera incrivel de gente comprometida a uma causa q nem por um momento deixam de transparecer a magia daquilo q fazem apesar de o fazerem todos os dias .....ve se q tem mto orgulho e prazer naquilo q fazem , mesmo q tenham um trabalho "de secretaria" para q outros como eu possam ir para o terreno....O sitio onde fiquei a dormir em Bruxelas 2 noites , nao era mais do q uma pensao super rasca onde partilhei o quarto com um desconhecido.... Mas esta pensao super rasca era de uma senhora italiana que so recebia pessoas q estavam de chegada ou de partida com os Medicos sem fronteiras e q via se q adorava a pequena parte q tambem ela tinha nos medicos sem fronteras e recebeu me ja depois da meia noite de camisa de noite com muito carinho e como se eu fosse especial apesar de ter tido milhares de pessoas como eu na casa dela .....e os rapazes q estavam tambem de partida para Sudao, Bangladesh, Sierra Leoa trabalham como Logisticos e muito boa gente .....foi bom sentir esse calor !!!

Como todas as minha viagens começam. Eu, sozinho no aeroporto de mochila às costas ,
e a representação do meu mundo para me proteger.


 Tive sorte e tenho voo directo para Kigali (capital do Ruanda), ja nao vou ter de fazer escala e pernoitar em Adis Abeba....fico uma noite em Kigali e amanha de manha vou para Goma, cidade ja no Congo depois da fronteira com o Ruanda ond passarei tambem uma noite e posteriormente irei para Masisi onde irei ficar .....trabalharei no hospital local e pelo q me foi dito terei de trabalhar mto ....ate aos meus limites, tendo em conta q sao milhares os doentes que precisam de assistencia Anestesico-cirurgica....feridos de guerra, outras cirurgias urgentes e centenas de cesarianas....Ha varios medicos Congoloses q fazem Cirurgias e um Russo ....e algumas pessoas q fazem Anestesia q foram ensinados por Anestesistas ao longo dos ultimos 3 anos vindos dos MSFronteiras e eu contiuarei esse trabalho ate q alguem me venha substituir ....

Nunca e demais repeti-lo ...... MUITO OBRIGADO e MUITO OBRIGADO

Africa Connections - A ideia era não escrever, para não lidar com as emoções.

(Já no Congo, província de Norte Kivu, Masisi. Algures ainda muito fresquinho, no início da minha temporada no Congo. Nesta altura era tão difícil, lidar com as emoções que tentava não o fazer. Escrever, era sinónimo de lágrimas, e esta foi das poucas vezes que o fiz, e apesar de quase não dizer NADA, custou-me imenso. A inexperiência que revelo, mostra uma ingenuidade da qual tenho muitas saudades.... Até mentia, para não dizer o que estava a sentir! Agora bem ao longe no tempo e no espaço, recordo com muito carinho, este email geral, que foi quase uma excepção à regra. Bons tempos. Saudades! Algures em Julho de 2009.)




Olá a todos

Escrevo-vos pq sei q mtos de vocês gostariam de saber algo sobre o q se passa comigo…Faço-o quase por obrigação e talvez perceberão porque com o decorrer do texto…

Cheguei a Kigali , na 4ª f e com o Genocídio de 1994 na cabeça, imagens do filme hotel Ruanda e com toda a carga emocional que este pais significava para mim … mas não , aparentemente estava bastante enganado ou desactualizado ….É um pais tranquilo aparentemente seguro onde as coisas funcionam relativamente bem para o padrão dos países africanos ….mas é África !! Tudo é diferente … Dormi uma noite num hotel bastante razoável …onde os empregados estavam “colados” no Michael Jackson memorial……fooodddaaaasssseeeee!! No dia seguinte acordei às 5.30 pq vinha um gajo buscar-me para atravessar a fronteira e levar-me até Goma (cidade logo após a fronteira)…Não posso dizer q tenha visto muito de Kigali mas é uma cidade altamente toda ela monte acima e monte abaixo….incrível mesmo foi a minha viagem até à fronteira. Foi incrível também …..o sol a nascer e paisagem de montes atrás de montes com vistas incríveis ! Estradas africanas….inexplicável  ….o q se vê a beira da estrada , por si só dava para escrever um livro….mas neste momento não estou muito virado para o feeling descritivo …..Nada para comer ….porque isto é assim ….na estrada não há nada !! Foram 3 horas e pico de viagem onde me apercebi o quão incrível e diferente é estar nesta África …. Ainda há bem pouco tempo estive em Moçambique , mas a surpresa da realidade q nos envolve é qs como se fosse a 1ª vez ….apesar de ser bem diferente do q Moçambique há mta coisa em comum a esta África ….negra , pobre, cheia de cores e cheia de vida ….

Cheguei à fronteira ….confusão , aquela tensão policial , mas que representado pela bandeira dos médicos sem fronteiras tornou esta passagem bastante rápida e simples….é reconfortante ver o respeito unânime que todos têm por esta organização e pelo trabalho por ela desenvolvido….como vos disse no outro email ….é com muito orgulho q represento esta Bandeira da MSF !

Passagem para o lado do Congo !!!  Uuuuuuuu……mto diferente …há uma tensão no ar , mtos gajos de mota com ar de trabalharem para um Lord of the war qualquer …aparentemente é uma cidade muito perigosa com as ruas num estado inacreditável, com um vulcão bem perto, activo e tudo feito de pedras vulcânicas , onde há também imensas ONGs representadas e onde a MSF-Belgica tem uma casa q serve como base para as mtas missões que tem nesta zona leste do Congo ….esta zona será provavelmente a zona de África que teve/têm mais guerras/guerrilhas nos últimos tempos e que já teve várias guerras as quais chamaram Guerras Mundiais Africanas por envolverem vários exércitos de vários países na pior das quais morreram mais de 5 milhões de pessoas a mais mortífera desde a segunda guerra mundial …

A casa dos MSF em Goma é bastante sweet em cima do lago Kivu e de onde se vê também o tal vulcão ….ai estive umas horas com outras pessoas q estavam a chegar de algum sitio ou de partida para algum sitio (como eu) q estava então de partida para o meu destino final e actual …Masisi ! Fomos num Jeep “à séria”….um daqueles verdadeiros todo-o-terreno …e disseram me q a estrada estava bastante boa , querendo dizer q estava bastante melhor do q por vezes está….Eu já vi algumas estradas em África e NUNCA tinha vista nada assim ….uma estrada muito hardcore de terra , cheia de pó , por isso é q diziam q já esteve mto pior, porque quando chove o percurso q eu demorei pouco mais de 3 horas pode durar 12 hrs ou até ser mesmo impossível de ser feita por ter buracos/desabamentos de terra onde nenhum carro passa e nessa altura tem de se fazer o Car Kiss onde vem um carro de cada um dos pontos e as pessoas têm de sair de um, ir a pé com as malas e passar para o outro depois do tal ponto intransponível por veículos ….mais uma vez numa paisagem muito montanhosa e bastante bonita fizemos 87 km sempre a subir pela beira dos montes ….o condutor de 10 em 10 minutos comunicava por rádio para os diversos pontos de control dizendo q estávamos em passagem para q não haja duvidas q estamos num carro da MSF q não oferece ameaça para ninguém !! Foi uma viagem muito desconfortável e ficamos cheios de pó dentro do carro …mas q comparativamente com alguns nativos q faziam a viagem de mota e de pretos passavam a cor de terra …estávamos num grande conforto…e assim começamos a avistar Masisi , uma vila toda ela numa colina, num sitio que parece os Alpes africanos , montes e mais montanhas mas numa paisagem e natureza africana….muito , muito bonito …fica a cerca de 1700metros de altura mas o topo da colina onde a cidade/vila se encontra terá uns 2000 metros ….mas é Lindo ! Incomparável com o q quer q seja q eu já vi ate hoje …. Há vários campos de refugiados há volta da cidade e mtas cabanas por todo o lado …

Aqui a MSF tem um escritório e a casa onde vivemos , difícil de descrever por ser um misto de o mais roots possível imaginário, mas com algum conforto dada a situação onde estamos inseridos…Vivemos aqui cerca de 10 pessoas expatriadas de vários países e parece me ser tudo boa gente ….alguns q já andaram por várias partes deste mundo o q faz de mim um bébé q está a viver estas coisas pela primeira vez …. O chefe (field coordinator) é um Belga com muita experiência e muito, muito respeitado por todas as partes ….o q é q são as partes e o porque desde homem ser tão respeitado provavelmente só vos explicarei quando voltar …

O hospital é a 300 metros da nossa casa e basicamente será entre estes dois sítios q passarei os próximos 3 meses e meio….durante o dia podemos andar pela vila, mas q não tem nada , a não ser cabanas e congoleses….à noite não podemos sair de casa a não ser q seja para ir ao hospital se formos chamados…O hospital é mais uma vez inexplicável ….é África!! e os desafios são constantes e intermináveis … Já vi coisas impensáveis e já tive de fazer o q nunca fiz e em condições 1000 vezes piores do q as q eram normais para mim….mas o nosso pensamento acaba sempre na conclusão q não podemos salvar o mundo de uma vez só e que mais ninguém tem 1 centésimo dos conhecimentos na minha área e como tal o meu melhor já não é nada mau ….

Há tanto para dizer q torna-se difícil sequer estabelecer as prioridades para o q é o mais importante para vos transmitir ….
Tenho uma espécie de horário , em q há uma rotação para estar de chamada durante as noites ….mas os “enfermeiros” de Anestesia q já fazem as coisas mais simples ou frequentes sozinhos têm a minha ordem de me chamar a qq momento se for algo mais grave ….por isso estou basicamente 24hrs à chamada todos os dias se for preciso o q me asfixia um pouco ….

Estou a aprender francês qd tenho tempo com o meu já amigo Cirurgião russo com um professor congolês e levo sempre comigo um livrito para aprender francês visto ser essencial q rapidamente consiga me exprimir mais e mais.... visto que como já imaginava o meu principal objectivo é mais do q o meu trabalho , tentar ensinar os tais enfermeiros q fazem anestesia e conseguem fazer algumas coisas bem feitas mas de uma forma muito mecanizada e sem conhecimentos qs nenhuns sobre a forma como praticam esta ciência tão importante e interessante q é a Anestesia ! Vejo no meu amigo russo ainda mais desafios visto para ele ser ainda mais difícil aprender francês e pq cirurgicamente está a fazer o q sabe e o q não sabe …..e  confortamo-nos um ao outro com as gigantes dificuldades q nos deparamos todos os dias profissionalmente e pessoalmente …

Há 200 a 300 partos por mês no hospital (fora as q ficam em casa ) ….é inacreditável ….o q torna o numero de cesarianas bastante elevado ocupando bastante a vida do bloco operatório…mtas infecções graves e também muitos feridos com armas de fogo .

È um misto de alegria e dor escrever-vos assim como ler as vossas respostas …é bom estar a ver as vossas caras enquanto escrevo este curto resumo de tanta vivência q tive nos últimos dias ….mas também me dói muito pensar naquele q vocês sabem ser o meu mundo ….e por isso comecei por vos dizer q escrevo-vos mais por achar q devo do que propriamente aquilo q me apetece fazer ….é difícil retratar a mistura de emoções que vivo neste momento , mas há também a salvaguarda q estou ainda num período de habituação e com o tempo vamo-nos adaptando a realidade onde estamos….e por isso vos digo muito sinceramente q para mim é importante q saibam q estou bem ….mas que dificilmente vos escreverei mais vezes….


Para animar um bocado !! MUZUNGU !!! Quer dizer homem branco em Swahili….e nos 300 metros que faço até ao hospital ….há milhares de crianças q fazem questão de TODAS a TODAS as minhas passagens fazer saber q sou MUZUNGU !! Mas é incrível ver a vida e os sorrisos de todas as crianças …e todas eles gostam de dizer olá ….é uma vida, uma energia q jamais se sente no nosso mundo !

Mto mais há para dizer, mas acho q até já fui longe demais…mtos de vocês mereciam uma palavra pessoal , mas mais dificil ainda se torna e como se aperceberam não tenho assim mto tempo livre ….

Ahhh….nao me posso esquecer q ando de rádio !! Comunicamos entre nós via rádio q dá uma onda do caraças !! Roger !! Copy !! Over !! e coisas assim ….

Para terminar ….a internet e mega lenta e nem sempre funciona assim como o meu telemóvel Congolês (+243818611121) aqui e mais uma hora mas vivemos mto ao sabor da luz do sol; por isso acordamos cedo e deitamo-nos cedo….mas vou lendo os emails por vezes ….Mas qd tenho chamadas nao atendidas, nao sei de que sao pq aparece um numero congoles.

Estou bem !! Perdido no espaço e no tempo …..mas estou bem !!

Um forte , forte abraço bem apertado e muitos beijinhos



RDCongo 1.0 - O aperto de mão

Começo aqui a contar-vos a primeira historia de muitas que poderiam ser contadas sobre a minha estadia no Congo, em que trabalhei como médico anestesista para os Médicos Sem Fronteiras, numa região chamada Norte Kivu, na cidade de Masisi, perto da fronteira com o Ruanda, região esta muito complicada, pois tem sido inocentemente castigada por uma guerra terrível, que teima em não parar e que terá já morto nos últimos 15 anos cerca de 5 milhões de pessoas... E como sempre quem mais sofre nestes tristes cenários, são os civis inocentes, mulheres, crianças....cuja sorte quis que nascessem numa das piores zonas do planeta para se viver. Mas a vontade de viver, sorrir, amar, ter filhos e tudo mais que caracteriza a magia do ser humano está bem presente nesta gente que tem muita vontade de viver e dar vida!

E aqui vai uma historia que para mim prova isso mesmo...

No local onde eu estava a trabalhar como muitos outros em Africa, uma das cirurgias que realizavamos mais frequentemente é a Cesariana, dado a taxa de natalidade ser muito elevada e como tal por variadíssimas indicações muitas vezes eramos então chamados a intervir para que pudéssemos quer para salvar a mãe, a criança ou ambos . Como tantas outras vezes fui chamado ao bloco operatório de urgência a meio da noite, cansado de muitos dias de trabalho àrduo, quase sem intervalos.... Fiz uma raquianestia, ou bloqueio subaracnoideu para os entendidos ou para os desentedidos uma picada nas costas que anestesia todo a zona inferior ao umbigo, querendo com isto dizer que a futura mãe estava acordada e a ver e ouvir aquilo que podia.... Por falta de monitorização do feto, aconteceu aquilo que também muitas vezes me aconteceu neste hospital, que foi ter de fazer a reanimação neonatal....Mais uma vez trocado por miudos, o feto estaria já a sofrer dentro do útero e a cesariana já veio tarde....por sorte ou por azar estava lá eu... Com alguma formação sobre o assunto, mas pouco práctica pois nos nossos hospitais do mundo desenvolvido tal suceder é muito mais raro.... Mas este já então recém-nascido precisava de reanimação activa dado o sofrimento intra-uterino, para ajudar nesta fase que para uns é tão dificil ou mesmo fatal, que é a primeira vez que respiramos.... Normalmente uma simples estimulação táctil é suficiente para dar este empurrãozinho ao bébé, para alguns é necessário a ventilação através de uma máscara, e quando esta se mostra insuficiente....e temos sinais de que a oxigenação não está a ser adequada.... a frequência cardiaca teima em baixar, o faz com que o cerébro deste novo ser possa ter danos irremediáveis por falta de oxigénio das células cerebrais....e muito rápidamente , sim porque tudo isto são segundos ou poucos minutos de actuações e decisões dificeis, há que partir para a uma forma de oxigenção mais eficaz com a colocação de um tubo através da boca na traqueia, actuacção esta que tanto caracteriza o médico anestesista....


O que vocês vêem nesta fotografia é então já o final destes momentos de stress que felizmente têm um final feliz como se pode ver pelo tom rosadinho da pele e lábios deste bébé....a minha mão que parece gigante ao pé deste mais recente congolês....um estetoscópio...que me serviu para avaliar a ventilação deste pequenino , que é de tamanho adulto, pois não havia pediátrico ….e mais grave ainda para quem está minimamente ligado ao meio é o tamanho da lâmina do laringoscópio (mas foi esta que tive de usar, adaptando me ao que tinha)....esse aparelho metálico que vêm no canto superior da fotografia e que serve para a visualização directa da laringe e da traqueia, para posteriormente eu introduzir o tubo na traqueia que permitindo uma ventilação e oxigenção muito mais eficaz terá salvado a vida a este bébé.... Como disse toda esta hisória acaba bem ….o recém-nascido respira já sem a minha ajuda , sem ajuda de tudos e cheio de força espero eu para um dia contribuir para um Congo melhor ….talvez estarei a sonhar demais.... mas uma das lições que aprendi e reforcei todos os dias é que há sempre que pensar positivo com muita força.

Calma , esta historia não acaba aqui... Todos estes poucos minutos de reanimação do recém nascido ao que a importância da velocidade da minha actuação, deixa facilmente transparecer algum stress pelo qual eu passei para que tudo corresse bem, e em que a mãe (que estava acordada) viu toda a minha vontade para que este bébé acabasse por ter um choro bem vigoroso como todos gostamos de ouvir naqueles a quem se acabou de cortar o cordão umbilical...

Imagino o que pensará uma mãe que deitada numa maca com metade do corpo imobilizado, com um lençol que a impede de ver a cirurgia propriamente dita, mas que ao flectir o seu pescoço para a esquerda vê durante escassos, mas provavelmente eternos minutos, este estranho branco vindo sabe-se lá de onde às tantas da madrugada dedicar tanto do seu esforço para que o seu filho nasça saudável neste zona do planeta que parece ter sido esquecida pelo mundo.... Infelizemente a barreira linguistica impede-me de saber o que se passa por a cabeça desta mulher que sem instrução nenhuma, dentro do azar tenha a sorte de que exista um hospital dos médicos sem fronteiras naquela zona de guerra aberta....

Quando já tenho a certeza de que o bébé está são e salvo, volto as minhas atenções para a mãe, e como a comunicação verbal era impossivel (por eu não falar Swahili) como muitas outras vezes tinha de utilizar outra forma de comunicar com os pacientes e então passei a minha mão pela testa e cabelo sorrindo a passando a mensagem que estava tudo bem, e o perigo estava longe do seu bébézinho....foi aí que ela me disse algumas palavras que eu não percebi ! Esticou-me o braço , e eu continuei sem perceber! Até que um enfermeiro congolês (servindo de interprete Francês-Swahili) me disse : “Ela quer apertar-lhe a mão Doutor!” E assim foi, apertando-me a mão olhando-me nos olhos com verdade e transparência, neste olhar negro e tão profundo que ela me disse “Asante Sana! “ – “Muito Obrigado!”

E este Aperto de Mão é o motivo pelo qual corri riscos que não precisava de correr, atravessei o mundo por que quis, e mais grave do que tudo fiz sofrer muitos de quem gosto muito, que deixei com o coração a bater , sofrendo sem ter de sofrer....

A todos esses, desculpem, mas esta é a minha forma de vos agradecer e de vos explicar porquê....

RDCongo 1.0 - The Hand Shake

Here I start, telling you my first story of many, that could be told about my mission in Congo, where I worked as a doctor anesthesiologist, for the Doctors Without Borders (Medecins Sans Frontiers), in a region called North Kivu, in a town called Masisi, close to the border of Rwanda, a very complicated region, that it has been innocently punished by a horrible war, that insists on going on, and it has murdered in the last 15 years about 5 million people... And as always the ones who suffer the most are the innocent civilians, women, children… whose destiny wanted them to be born in one of the worst zones of the planet to live in. But the will to live, to smile, to love, to have children and all that characterizes the magic of the human being is present in these people that have a lot of will to live and give life!

And here it goes a story, that for me proves that very well....

In the place where I was working, as many others in Africa, one of the most common surgeries that we performed was the C-section, given the high natality rate, for many different indications many times we were called to operate so we could save the mother, the baby or both. As many other times I was called to the operation room in the middle of the night, tired of many days of hard work almost with no breaks.... I made a spinal anesthesia, or for the ones not in the medical field, I stuck a needle in the patient’s back in order to anesthetize all the inferior part of the body below the umbilicus, meaning that the future mother was awake seeing and listening all she could.... Because of the lack of monitorization of the fetus, it happened what happened many times in that hospital..... I had to do reanimation of the newborn.... Once again explaining the non-medical, the fetus was suffering inside the uterus, and the C-section came already late …. lucky or not I was there.... With some training about these issues, but not so much practice because it’s quite rare to be necessary in our hospitals in the developed world...

This newborn needed active reanimation, due to the intra-uterus suffering, to help him in this period that for some is so difficult or even fatal, that is the first time we breath.... Normally a simple tactile stimulation is enough to give that little push to the baby, but for some it’s necessary bag-mask ventilation, and when it’s not effective, we have sings that the oxygenation is not enough, the heart rate keeps on going down, which can cause permanent damage of the brain of the newborn caused by the lack of oxygen that reach the brain cells…. and very fast.... because all this is made in seconds or few minutes of tough decisions and actions, its necessary to improve the oxygenation by placing a tube through the mouth to the trachea.... performing the act that characterizes the Anesthesiologist so much …

What you see in this picture is the end of those stressful moments, that fortunately had an happy ending which you can see by the pink color of the skin and lips of this baby.... my hand seems to be giant next the this very new Congolese... a stethoscope... that I used to evaluate the ventilation of this little fellow, it’s for an adult, but there was not a pediatric one.... but even worst to whom is somehow aware of the medical world, is the size of the blade of the laryngoscope (but it was this one that I had to use adapting to what it was available).... this metallic device that you see in the right upper corner of the picture that is used for the direct visualization of the larynx and the trachea, to introduce the tube in the trachea, allowing a much more effective ventilation and oxygenation that might have saved the life of this baby..... As I said this story as an happy ending.....the newborn breaths without my help or any tube and full of energy to contribute one day for a better Congo, I hope ….maybe I am dreaming to much....but one of the lessons that I have learned and reinforced every day is that we always need to think positive as hard as we can!!


Calm down, this is not the end of this story.... All of these minutes of reanimation of the newborn, where the speed of my performance, easily shows some stress that I went through, so everything would go well, and where the mother (that was awake) saw all my will to make this baby to cry out loud, as we all like to hear in those where you just cut the umbilical cord....

I can only imagine, what a mother thinks lying down in a stretcher, with half the body paralyzed, with a sheet preventing her from seeing the surgery, but she could but flexing her neck to the left watch during few but probably long minutes, this strange white man coming god knows from where, during the night putting so much effort so that her son would be born healthy in this zone of the planet that seems to be forgotten by the rest of the world.... Unfortunately the language barrier prevents me from knowing what was passing by this woman’s mind, that unlucky for some reasons was lucky enough to have a hospital of the doctors without borders in that area of an ugly war....
When I am sure that the baby is far from danger, I turn my attention back to the mother, and because the verbal communication was impossible (because I didn't speak Swahili), as many other times I had to use other ways of communicating with my patients and so I passed my hand by the hair and forehead smiling and passing the message that everything was alright, and danger was far from her sweet little baby.... it was in that moment that she said to me some words that I didn’t understand! She stretched her arm towards me and I still didn’t understand!! Until a Congolese nurse (translating Swahili to French) told me: “She wants to shake your hand, Doctor!” And so it was, shaking my hand and staring at me with truth and honesty, in this deep black look, that she told me: “Asante Sana!” – “ Thank you very much!”

And this Hand Shake is one of the reasons why I took risks that I didn’t need to take, crossed the world because I wanted to, and much worst I made suffer many that I like that I left behind with the heart beating fast, suffering with no need to suffer….

For all of those, I am sorry, this is my way of saying thank you and explaining you why ….

RDCongo 2.0 - Two Sweet Girls

It was a Sunday afternoon…. very few times I had a free Sunday to relax.... it´s the way it was.... no one else to do our job.... we had to be ready when ever is was necessary...
I was called by radio to go to the hospital with the information that there where some wounded by gun shots …. It was common on Sundays... Too many Kalashnikovs…. The military would get drunk and for any stupid reasons would use it.....
When I arrived to the hospital, the local nurses told me that there were children involved !! Shit !! What ever it is ...its very bad already... My heart starts beating faster....before I get to the room where they were …
And there they were, 2 sweet little girls ….very scared, screaming in pain....a lot of blood everywhere ….
Noemie, is 10 years old, she was shot in the upper part of her arm, causing a very extensive wound, and fracture of the bone (umerus)...


Tuliza, is 4 years old, she was shot in her foot, causing an explosion of many of the bones of her foot, with a huge hole that you could see right through it ….

Why??? How is it possible that one can do this to these sweet little girls? How can somebody be so cruel ?
Noemie and Tuliza are sisters, their mother works in one local bar in town, and this 2 drunk military, from the Congolese army, started arguing with each other where they were, and decided to use their guns to solve whatever issues they had....But for some reason the only ones who took the bullets were this 2 innocent girls... Life is just not fair for some...
The Kalashnikovs are high energy guns, once the bullets enter the body they start spinning on random directions and cause unbelievable destruction of the tissues of the human body...I will spare you from seeing the pictures of the wounds but believe me....they are really impressive....

We had to go with one after the other to the operation room, they lost a lot of blood, manage to go through the surgery with no big complications. Tuliza went first, very scared not wanting to let go of her mother that stood by her side until she was under anesthesia, it was a very complicated case, with no X-ray, its difficult to know exactly how bad are the fractures of the bones of the foot.... Cleaning , disinfecting, removing the dead and dirty tissue, and trying to immobilize the foot in a position that the fracture would consolidate in a way that she could use that foot again to be able to walk....she is 4 !!! Noemie went afterwards, the hole that she had was as big as her skinny arm, with total fracture of the bone of the arm, with something like 10 cms of the bone missing that explode way from the warm....Horrible scenario, even for somebody that already saw a lot . She had no destruction of the main arteries or nerves, meaning that she could probably use the arm in the future if everything went well ! But can u use the arm if you have the upper part of the bone of the arm missing? I cant answer this question, or we couldn't answer this question with the means that we had... She cant hold her arm, despite being able to use her hand... Maybe one day in an handicapped program somebody will be able to improve her mobility one day...Always think positive !! We do what we can, step by step...but sometimes is not enough...

For many days that had to stay in the hospital, as for this kind of injury, they needed to go, many times to the operation room for surgery, to change the dressing, cleaning the wound, as the biggest killers for these type of patients are the infections that are very common, so all the care was necessary to avoid that....and yes we did avoid the infections for these 2 sweet girls...
Everyday I was with them, not speaking their language but communicating somehow ….I played with them many times and got famous among these kids and others for giving them balloons made of plastic gloves! I was really happy to still have a way to make them smile...

Noemie, was wise and quiet, never saw her sad or complaining, she had this beautiful shy smile, with deep, big, very black eyes....Pure, humble and genuine... The most amazing thing about children in general is the fact that they are so pure and innocent, but these African kids take that idea to the maximum ... They are so full of life and desire to live....
Tuliza as you can see is a bit chubby...and one day she was very grumpy, trying to beat her mother and her sister... I was surprised, it was not normal... I was trying to ask her mother with few words and signs, about what was going on!! Her mother pointed to the sign your you had written in French and Swahili “ No eating or drinking as its surgery day”... it was very difficult to explain the patients that they could not eat or drink before surgery for the safety of anesthesia, and this mother many times couldn't resist the temptation of giving food to her kids even when I explained many times, with the locals help to translate those rules, causing us to postpone and delay the treatment of those kids…..... And then I understood :) !! Ahhhh !! Tuliza was not in a bad mood because she had to go to the operation room that day, because she did it many times before and she could go with me on my lap very calm and accepting her difficult treatment very well......She was beating every body because she was hungry !!! And for that I couldn't do anything about it !! Or make her smile !!
And that was the only moment when I ever saw Tuliza without her beautiful smile, that gave me a lesson for life! Her smile was naughty, full of energy, telling how much she loved life even when she was in a very complicated situation... 

She made me promise myself, that I would never be sad again! It´s unreal of course …. but how can we be sad? For what reasons can we be sad? When this 4 year old girl that was shot in her foot by a Kalashnikov of a drunk military for no reason, who will be lucky if she will ever walk normally again....and still has that smile !! How can we have the right to be sad ???? I will always “use” her to get my smile back whenever I will be sad....

I did my best to help them in their treatment but I can honestly tell you that they “gave” me much more than I “gave” them....  For me it´s priceless this lesson of life ….
I will never be able to thank them, but with these simple words, I am able to dedicate them and many other kids that suffer because of that stupid war, this story...

Thank you Noemie and Tuliza I will love you forever!

RDCongo 2.0 - Duas Meninas Maravilhosas


Foi num Domingo à tarde… muito poucas vezes tinha um Domingo livre para relaxar… era mesmo assim… não havia mais ninguém para fazer o meu trabalho… e tínhamos que estar prontos para quando fosse necessário…
Sou chamado pelo rádio com a informação que acabam de chegar ao hospital feridos de guerra... Era frequente aos domingos... Demasiadas Kalashnikovs... Os militares embebedavam-se e por uma razão estúpida qualquer começavam aos tiros...
Quando cheguei ao hospital, os enfermeiros locais disseram-me que os feridos eram crianças!! Merda!! Fosse o que fosse, já era muito mau à partida... O meu coração começa a bater mais depressa, ainda antes de entrar no quarto onde elas estavam...

E ali estavam elas, 2 meninas muito queridas... muito assustadas, aos gritos com dores... e muito sangue por todos os lados...

Noemie, tem 10 anos, e levou um tiro na parte superior do braço, o que causou uma enorme ferida com fractura do úmero.

A Tuliza tem 4 anos e levou um tiro no pé, o que causou uma explosão de inúmeros ossos do seu pé, com um buraco tão grande que até dava para ver através dele.

Porquê?? Como é possível que alguém consiga fazer isto a estas duas meninas maravilhosas? Como é que alguém pode ser tão cruel?

Noemia e Tuliza são irmãs e a sua mãe trabalha num bar da cidade, e foi aí que dois militares bêbados entraram em discussões e confusões, e por uma razão qualquer começaram aos tiros... Mas por motivos que desconheço as únicas balas que fizeram estragos foram as que atingiram estas meninas... A vida é mesmo injusta para alguns...

As Kalashnikovs são armas de alta energia, uma vez que a bala entra no corpo começa a girar numa direcção aleatória causando uma destruição inacreditável dos tecidos do corpo humano... Vou vos poupar a ver as fotos das feridas mas acreditem em mim... são mesmo impressionantes...

Tivemos que levar uma e depois a outra para o bloco operatório. Elas perderam bastante sangue, mas as cirurgias decorreram são grandes complicações. A Tuliza foi primeiro, bastante assustada não querendo largar a sua mãe que ficou ao seu lado, até que a anestesia fizesse efeito. Foi uma caso complicado, sem Raio-X, é difícil saber ao certo a gravidade de cada uma das fracturas dos ossos do pé. Lavagem, desinfeção, remoção dos tecidos mortos e em vias de, e tentar imobilizar o pé numa posição em que as fracturas consolidassem de forma a que ela pudesse voltar a andar... tem apenas 4 anos! A Noemie foi logo depois. O buraco que tinha era tão grande quanto o seu braço magricelas, com uma fractura total do seu úmero e uma falha de osso de 10 cm, por explosão no impacto... Cenário horrível até para quem já viu muita coisa...

Não teve destruição de qualquer artéria ou nervo importante, o que em teoria dava alguma esperança para que um dia o seu braço pudesse ter alguma utilidade... Mas poderá usar o braço faltando-lhe uma parte do osso importante? Eu não sei responder a esta pergunta, ou não sabíamos com os meios que tínhamos à disposição... Ela não segura o braço, apesar de ser capaz de usar a mão... Talvez um dia, num programa de reabilitação especializado alguém possa melhorar a mobilidade do seu membro... Pensar sempre positivo!! Fazemos o que podemos, passo a passo... mas nem sempre é suficiente...

Tal como era de esperar, ficar muito tempo no hospital com idas extremamente frequentes ao bloco operatório. Desinfectar, desbridar, mudar o penso vezes e vezes sem conta, pois o grande risco reside no potencial de infecção que pode ser fatal. E então todo o cuidado era pouco para que isso não acontecesse... e felizmente conseguimos evitar que estas duas meninas maravilhosas tivesse qualquer complicação infeciosa.

Todos os dias as via... mesmo sem falar a língua, mas comunicando sem se saber muito bem como... brincava com elas imensas vezes e conquistei a minha importância na vida delas (e de outras crianças), enchendo vários balões que eram luvas de hospital transformadas em sorrisos voadores... Ao encher balões, o meu coração enchia-se de felicidade por conseguir dar-lhes um motivo para sorrir...

Noemie, era sensata e calma... nunca a vi triste ou a queixar-se, e tinha sorriso tímido lindo com os seus olhos negros, grandes e profundos... Pura, humilde e genuína... O que mais gostamos nas crianças em geral é o facto de serem tão puras e inocentes, mas estas crianças africanas levam esse paradigma ao seu expoente máximo...  São tão cheias de vida e de desejo de viver que nos seduzem a cada olhar, a cada sorriso... é impossível não sentir que o centro do mundo está ali, naqueles pequenos seres que pairam à nossa volta...
A Tuliza como podem ver, é mais para o “rechunchudinha”... E um dia ela estava muito rabugenta, a tentar bater na irmã e na mãe... e eu fiquei algo surpreendido porque não era normal...

Tentei perguntar à mãe, com algumas palavras e sinais para perceber o que se estava a passar. E a mãe apontou-me para o sinal que estava colado à cama onde se lia em Francês e Swahili: “ Não comer e beber: dia da cirurgia.” Era bastante difícil explicar aos doentes que não podiam comer e beber antes da cirurgia para segurança da anestesia, e esta mãe muitas vezes não resistia à tentação de dar comida às suas filhas, mesmo depois de eu ter explicado várias vezes, com a tradução dos locais, o que nos levava a ter que adiar e atrasar o tratamento crucial para estas meninas... E depois eu percebi!! Ahhh, Ahhh!! A Tuliza não estava de mau humor porque tinha de ir ao bloco operatório nesse dia, porque já o tinha feito várias vezes com ela ao meu colo bastante tranquila e calma a aceitando os tratamentos com serenidade... Ela estava a bater em toda a gente porque tinha fome!! E sobre isso, eu não podia fazer nada! Ou tentar arrancar-lhe um sorriso!


E este foi o único momento em que vi a Tuliza sem o seu sorriso enorme e encantador que animava até os mais deprimidos, e que a mim me deu um lição para a vida! O seu sorriso era malandro, cheio de energia, dizendo-me o quanto amava a vida mesmo quando passava por esta situação terrível... Ela fez-me prometer a mim mesmo que nunca mais na vida voltaria a estar triste. É surreal, claro... mas como podemos nós estar infelizes? Quais são essas razões tão fortes que nos levam à tristeza? Quando esta menina de 4 anos que tem o seu pé completamente destruído por uma Kalashnikov por um militar bêbado, que talvez nunca mais volte a andar normalmente, e ainda assim mantem este sorriso que é capaz de conquistar o mundo?! Com que direito é que podemos estar tristes? Eu vou sempre “usá-la” para recuperar o meu sorriso cada vez que estiver triste...




Eu dei o meu melhor para o tratamento destas meninas, mas digo com toda a honestidade que elas deram-me muito mais que eu lhes dei a elas... Elas deram-me uma lição de vida sem preço, e para sempre...
Nunca serei suficientemente capaz de lhes agradecer... mas com estas palavras simples, tento dedicar-lhes esta história, a elas e a tantas outras crianças que sofrem por esta guerra estúpida...

Obrigado Noemie e Tuliza, estarão no meu coração para sempre!