A maternidade de Bangui era muito agitada. Partos e mais
partos, crianças por todo o lado, e uma equipa de profissionais fantástica que
estava à altura do enorme desafio a que nos propúnhamos. Salvar as mães e se
possível os bebés também. Eu passava o dia no meio de cesarianas, na formação
contínua dos enfermeiros de anestesia centro-africanos, na gestão clínica dos
casos mais complicados e ainda preparava formações sobre os temas que me
pareciam mais pertinentes dentro da minha área de conhecimentos, claro está.
E numa manhã qualquer, entro no hospital para um dos casos
clínicos que mais me marcou, na vida. Chegamos ao hospital, como sempre
religiosamente às 7.15 e a rotina matinal era bem alegre, dizia um Olá no bloco
operatório para ver quem estava a sair e quem estava a entrar, perguntava se a
noite tinha corrido bem, e seguia para a reunião matinal na palhota para depois
começar a ver as doentes/parturientes. Nesse dia foi diferente. Ao entrar no
bloco operatório para dizer Olá, já não mais saí. Eu e o Rodolfo que era o meu
colega e amigo ginecologista brasileiro.
Vou-lhe chamar Adelle. A Adelle tinha 30 e poucos anos, e
chegou á maternidade durante a noite. Não me lembro bem dos pormenores que
antecederam a nossa chegada. Mas sei que estava em trabalho de parto, com uma
hemorragia importante e foi de imediato para cesariana onde os médicos
centro-africanos constactaram que tinha uma pequena rutura uterina, e fizeram
uma cesariana a um feto-morto. Até aqui é uma história como tantas e tantas
outras. O problema é que todos os sinais clínicos dela invadem o meu cérebro
com preocupações. Ela perdeu mesmo muito sangue, está em choque hemorrágico
grave e tudo o que eu posso avaliar preocupa-me: frequência cardíaca e
respiratória muito elevadas, praticamente inconsciente, e diurese quase nula...
Esta mulher está às portas da morte. E ainda sem perceber na íntegra o que se
estava a passar há um pensamento que parece um gongo na minha cabeça : “Mais
uma?!?... mais uma ?!?” ... nunca é um dia bom para nos morrer mais uma nas mãos.
Eu canalizo todas as minhas forças para lhe inverter o
destino, avalio e reavalio dos pés à cabeça o seu estado geral, preocupo-me em
colocar-lhe cateteres para as transfusões que se advinham e fustigo o
laboratório com pedidos de sangue.... Ponho muita gente a mexer. Voz cuidada,
mas firme para que percebam que os minutos contam... Enquanto isto, o Rodolfo
está também a transformar as suas preocupações em raciocínios clínicos
conversando com os médicos que fizeram a cesariana durante a noite, para que
lhe expliquem ao detalhe o que viram e o que fizeram, e depois avaliando do
expectro obstétrico clinicamente e com o ecógrafo, construía a sua visão do
momento... que era trágico. A nossa conclusão é simples: Ela está a sangrar...
Um útero mal contraído, uma rutura uterina não controlada, e uma doente em
choque num estado gravíssimo que tinha sido operada há 2 ou 3 horas, e já tinha
recebido algumas transfusões de sangue...
E o Rodolfo pergunta-me: “Achas que ela aguenta a cirurgia?”
Ao que eu lhe respondo de olhos humedecidos e o coração a bater: “Tem que
aguentar!” Não há grande discussão, até nos pode morrer nas mãos... mas morre a
fazermos o que tem de ser feito: Parar-lhe a hemorragia. A Adelle não está
consciente para além de uns grunhidos quando estimulada com dor... não há
grandes conversas a ter com ela, nem tempo de falar com a família... A cirurgia
tem que ser feita, mas é uma agressão enorme numa mulher que já está às portas
da morte... É estranho porque ali temos dificuldade em ver uma pessoa, quando o
estado é tão grave... parece-me que acima de tudo é desafio clínico, com
vontade que volte a ser uma pessoa que nós nunca vimos a ser pessoa...
É nestes momentos em que sinto o coração a bater que a
missão faz todo o sentido, que me sinto bem e orgulhoso por estar ali... A
dormir mal, sem liberdade, a morrer de calor, a fazer mal às pessoas de quem
mais gosto e às vezes num confronto com a minha sanidade mental... Tudo vale a
pena, nestes momentos...
A Adelle está no recobro e reencaminhamo-la para o bloco
operatório... Ela não me ouve e por isso é mesmo em português que lhe digo : “Nós
vamos-te salvar a vida!” enquanto lhe passo a mão pelo cabelo...
O início da anestesia de uma doente destas é como tentar
levantar voo, só com um motor... É arrojado, é perigoso, é imprevisível... com
uma enorme probabilidade de ir contra um penhasco... mas quando em ficar em
terra não é uma opção, avançamos! Com as dificuldades expectáveis, o segredo
está sempre na antecipação dos problemas e na prontidão total para os
resolver... há decisões de segundos de vida e de morte, sem direito a ensaios,
sem direito a segundas oportunidades...
Começa a cirurgia, abre-se a barriga que está cheia de
sangue, tal como já sabíamos. Repetindo-me: útero mal contraído, ruptura
uterina ainda a sangrar, doente quase a morrer... a decisão era só uma
histerectomia (retirar o útero). É sempre dramático para uma mulher jovem, mais
ainda em África onde a fertilidade é uma parte vital da posição e da
importância da mulher na sociedade... Mas aqui, o raciocínio é simples: cada
gota de sangue que ela perde está mais perto de chegar ao ponto sem retorno da
sua vida... que nunca sabemos muito bem qual é. Porque a medicina é uma
ciência, mas não é matemática.
Durante a cirurgia tal como era esperado, ela piora, os
sinais vitais degradam-se, e aquilo que para mim é mensurável como sinais de
choque está tudo a piorar... assusta, mas eu já sabia que ía ser assim... A cirurgia é rápida, fecha-se a barriga e ela
já vai na quinta transfusão de sangue, em poucas horas... são neste momento
umas dez da manhã. Só neste momento é que começo a perceber que estamos todos a
morrer de calor... O ar condicionado funciona aos soluços, e aquele bloco
parece um forno... Eu estou transpirado da cabeça aos pés... e o Rodolfo no
final da cirurgia, retira as galochas dos pés com um litro de suor cada uma...
é uma barbaridade... Felizmente para a doente não é mau, pois a hipotermia para
estes doentes em choque hemorrágico é o final da história...
A doente está claramente pior do que quando eu cheguei, mas
agora com a convicção que já parou de sangrar. O sistema cardio-circulatório é
bastante mais complexo do que a canalização de uma casa, mas ainda assim,
quando há uma fuga o mais importante é corrigi-la para depois ver se vamos a
tempo de recuperar os órgãos que durante muito tempo estiveram sem receber sangue
suficiente...
A cirurgia acabou, mas o meu trabalho ainda nem tinha
começado... Mais perfusões, mais transfusões, tentar que o rim rapidamente
recupere a sua função para controlo do pH, controlar os iões, nomeadamente o
cálcio, e esperar que a fisiologia faça o seu papel... “Adelle, aguenta-te!”...
pensava eu. E dentro do seu estado gravíssimo a Adelle vai-se aguentando e vai
melhorando aos poucos, numa fase em que não piorar já é bom. A diurese é sofrível
mas vai acontecendo (o rim é o grande monitor da circulação), a frequência cardíaca
e respiratória ainda elevadíssimas, vão descendo para valores que já não me
cortam a respiração... e a consciência depois de duas anestesias gerais é difícil
de avaliar...
A doente está no recobro, os enfermeiros de anestesia estão
em sintonia com todos os meus raciocínios clínicos e o meu dia segue
apreensivo, mas segue... há muitas outras doentes a precisar da minha
atenção... Mas eu fico obcecado, fico hipnotizado com estes casos... a cada
meia hora venho ver a Adelle, devoro e mastigo as tendências dos sinais vitais
e de todos os sinais clínicos que consigo avaliar... Mas como é normal nestes
casos muito graves, vai perdendo um bocado de sangue aqui e ali, e eu vou compensado
com uma e outra transfusão... Sim, isto é medicina intensiva hardcore em
condições de trabalho muito básicas, com muito poucos (ou nenhuns) meios de
diagnóstico o que leva a alguma tentativa de adivinhação cientifica da minha
parte...
Volta e meia, faço o ponto da situação em conjunto com o Rodolfo...
A doente parece estar melhorzinha, mas há demasiados factores a ter em conta o que
torna difícil responder à questão, se ela está melhor? E certo é, que ainda
estamos muito longe de mandar foguetes! Aproximamo-nos das 5 da tarde que é a nossa
hora de recolher obrigatório, e eu e o Rodolfo juntamente com os médicos
centro-africanos, juntamo-nos para fazer o ponto da situação antes de deixarmos
o hospital... Eu não estou super contente com a evolução, não consigo dizer que
seja claramente positiva... Mas a hemorragia major parece controlada, os sinais
vitais muito longe do normal, mas não pior... e agora parece-me uma questão em
que o tempo é a única solução... Vamos para casa... mas não vamos muito
felizes...
Eu já em casa por volta das 6.30, recebo um telefonema de um
enfermeiro de Anestesia apreensivo. O meu francês está longe de ser perfeito, e
a qualidade da chamada é péssima, cheia de interrupções. Eu percebo que ele me
diz que a Adelle está pior. E eu levo logo ali um balde de água fria que me
acordou todos os sentidos.
E eu pergunto: “Como estão os sinais vitais?” E ele vai me
respondendo... mas eu só percebo meias palavras, e ele também não perceberá
todas as minhas... E eu estou sempre a perguntar: “O quê? Quanto?? Repita, se
faz favor!!” E vou construindo a imagem de que a doente está efectivamente pior...
mas a explosão vem quando ele me diz: “Doutor, eles vão operá-la!”... e eu: “O
quê?!?!?! Nãooooo!! Não a operem!! Não a abram!” tenho esta memória como se
tivesse sido ontem.... eu aos berros em Francês... “Il ne faut pas la ouvrir!!!!!”
(não a abram!) .... repeti umas quantas vezes, e acrescentei: “ Eu e o Rodolfo
vamos já para aí!”
Eu tinha uma convicção forte que fosse o que fosse, a resolução
não era cirúrgica... um passo em falso nesta doente era morte pela certa. Em
circunstâncias excepcionais de vida ou de morte, podíamos ir ao hospital
durante a noite (apenas até às 22.00) desde que os responsáveis pela nossa
segurança confirmassem que ninguém está aos tiros a meio da noite naquela
zona... E assim foi, liguei à minha chefe que deu o ok, liguei ao Rodolfo que
estava noutra casa perto e liguei ao motorista em regime de urgência máxima.
Este motorista era o meu treinador de futebol que me adorava e ao Rodolfo
também... e estava habituado a ter com ele um registo descontraído na palhaçada
a falar de futebol e da vida em geral... Mas quando ele chegou eu nem lhe
mostrei os dentes: “Rápido. É urgente!” Ele percebeu a mensagem e foi a voar
num percurso que pode demorar 20 minutos, chegou-nos 10 para atravessar uma
cidade que anda sempre ao sabor do sol, e como tal a este horas já é bem noite
e as ruas estão quase desertas porque quase não há electricidade em lado
nenhum... Minutos que chegam para pôr o Rodolfo a par dos poucos dados que eu tinha,
e para discutirmos no plano teórico as hipóteses do que poderia estar-se a
passar... E assim vai, em Português transatlântico uma conversa que vale (ou não)
a vida da Adelle, no coração do mágico continente africano.
Eu tenho o coração a bater cada vez mais rápido e imagino
que o Rodolfo também... O carro ainda não parou e eu e o Rodolfo já saltamos em
andamento literalmente a correr para o bloco operatório. A doente já estava deitada
na marquesa do bloco operatório... Os meus berros, os meus gritos de alma
serviram pelo menos para que não a abrissem sem que nós chegássemos. E agora
vamos ver o que se passa. A doente está sem dúvida pior do que eu a deixei...
dá-nos sinais que sangrou bastante... e com o ecógrafo vemos que o abdómen está
com litros de sangue... E por isso o raciocínio do médico centro-africano, que
por acaso até tinha muita experiência, não é descabido... Se a doente está a
sangrar, temos que a abrir para parar... Mas eu tinha uma convicção muito forte
que não era isso que se estava a passar... A minha primeira hipótese
diagnóstica é que a doente tinha alterações da coagulação (coagulopatia) graves
que lhe estavam a causar esta hemorragia, e cujo o tratamento é médico e não cirúrgico...
Mas ficamos ali num impasse de confrontação honesta e construtiva... Em que o
médico centro-africano dizia: “Está a sangrar, temos que a operar!” e eu tinha
uma convicção muito forte: “Sim, ela está a sangrar, mas o que ela precisa é
que tratemos a coagulação, se a operarmos ela morre!” ... O Rodolfo podia
desempatar, mas não o fez... Um excelente médico ainda que muito novo, e muito
diplomático, percebia que ambos os argumentos eram muito válidos... e eram...
Eu não conseguia dizer que o médico centro-africano estava a dizer uma
aberração... ele até podia ter razão. E se tivesse quem estava a matar a doente
era eu... A Adelle neste momento é um pedaço de carne com o coração a bater mas
com a vida a fugir-lhe... deitada num bloco operatório com 3 médicos a discutir
literalmente à volta dela... Eu virei-me para o Rodolfo e perguntei-lhe... (e
agora estão dois lusófonos a falar Francês): “Rodolfo, pensa bem. Achas que
deixaste algum vasinho a sangrar na cirurgia?” E ele disse-me: “Eu acho que
não!”... Certezas absolutas nenhuma pessoa inteligente tem... Ele tinha dúvidas
e eu também... Mas eu tinha uma convicção muito forte... E apesar destas
decisões não virem nos livros de medicina, eu argumentei, e argumentei... e
ganhei a discussão. Mas quase que preferia ter perdido... porque pensava com os
meus botões: “Se é por orgulho, e se por acaso estás errado.... mataste a
doente!” ... e sinceramente o que me passava pela cabeça era que não me sentia
forte o suficiente para sobreviver a esse trauma...
E o caminho escolhido por mim também não era simples...
Tratar esta coagulopatia, neste fim do mundo, a estas horas da noite nunca
seria fácil... Mas eu neste momento sentia-me capaz de virar o mundo ao
contrário para que a Adelle voltasse a ser gente. No nosso mundo de medicina
dos ricos, isto trata-se com os diferentes componentes de sangue responsáveis
pela coagulação: Factores de coagulação, plaquetas, fibrinogénio, etc... Mas na
medicina dos pobres, a única forma de tratar uma coagulopatia é com sangue total
fresco... Ou seja, é o sangue que é recolhido do dador e dado ao doente, sem ir
ao frigorífico... Isto porque o frio que serve para a conservação do sangue,
inactiva todas as capacidades de agregação das plaquetas e funcionamento dos
factores da coagulação... Mas quando eu peço ao técnico do laboratório sangue
fresco, a resposta dele é pronta: “Não há!” ... Mas eu estava num estado de
espírito qua jamais engoliria este Não.... E disse-lhe: “Eu não quero saber a
quem vais ligar, se vais acordar a cidade toda, se vais ligar ao teu pai ou à
tua mãe, ou se vais ligar ao Presidente da Rép. Centro-Africana... EU QUERO 2
UNIDADES DE SANGUE FRESCO COM URGÊNCIA!!!!” ...
Não sei bem como funcionou, mas funcionou a minha pressão quase
ameaçadora... Ele veio com o recado que o Serviço Nacional de Transfusões ía
trazer 2 unidades de sangue fresco dentro de 30-45 minutos... E eu agarrei-me a
essa esperança enquanto pensava... “Tanta gente a morrer neste cidade em todas
as esquinas, já para não falar em todo o resto do país que é ainda mais
pobre... E estou eu a pôr o meu pescoço debaixo da guilhotina por uma doente
que vai morrer de qualquer das formas... O que estou eu aqui a fazer?”...
Eu estava entre a doente e o laboratório, pois já não me
adiantava muito agora olhar para a doente... eu só podia ser útil na pressão no
laboratório... porque nestes sítios é mesmo assim... se queres alguma coisa bem
feita, tens que ser tu!
Chega o sangue numa ambulância e seguem de imediato para as
mãos do técnico para as testar.... E foi aí que o meu mundo caiu, quando ele me
diz: “Doutor Gustavo, não podemos transfundir estas unidades, porque o
crossmatch deu positivo!”.... Em bom português, o que me veio à cabeça foi:
FUUOOODDAAAAA-SEEEE! Assim não. Morrer na praia assim não!... Ou seja, apesar
do grupo ABO e do Rhesus (+ ou -) ser compatível... era O+ ... (ainda tenho os
cartões comigo)... há outros antígenos que podem causar reacções transfusionais,
que podem ser fatais, e estes testes rápidos servem para prevenir isto... Mas
numa doente que já recebeu 9 transfusões de sangue... Sim, 9! Já não se sabe
bem quais são os antigénios que são dela e os que não são... E é nestas alturas
que dou graças a tudo, por ter estudado com muito afinco o livrinho das transfusões
e dissecado o tema de trás para a frente... E disse-lhe: “ Eu assumo o risco,
vamos transfundir!” ... e ele responde de seguida... “ Não podemos doutor, é
contra as regras de segurança das transfusões, é ilegal!”.... Eu não levantei a
voz... mas olhei para ele muito firme, fazendo bem transparecer que não ia
ceder nem um milímetro: “Eu assumo a responsabilidade TODA! Vamos transfundir a
doente!”
É difícil explicar o que se está a passar na minha cabeça neste
momento... Eu senti que estava a carregar o mundo às costas sozinho...
Mergulhado nas minhas convicções (que não são certezas)... cheio de medo de
estar errado depois de ter feito “all-in” atrás de “all-in” nas minhas
decisões... quando seria tão mais fácil fazer as coisas de outra maneira...
Sabia que se a doente morresse fosse pelo que fosse ía ter o mundo a olhar para
mim, e provavelmente um inquérito disciplinar... Mas muito pior do que isso,
será que ía sobreviver à minha consciência? Até porque se estiver errado, nem
sei se é por não termos tentado operar a doente ou se ela morrera de uma
reacção transfusional em cima dum estado crítico...
Começamos as transfusões... ao mesmo tempo que chegamos às
22.00 que é o máximo dos máximos que eu e o Rodolfo podemos ficar no hospital
por razões de segurança... e recolhemos a casa... Eu sentia que aquele pequeno telemóvel
Nokia era uma extensão do meu corpo, era como se fizesse parte de mim...
Telefonemas da minha parte para o hospital, consecutivos! Esta doente recebeu
11 transfusões de sangue. 11!!... em menos de 18 horas... Cada unidade de sangue tem cerca de 500 mL, e
um adulto de 70Kg tem cerca de 5 litros de sangue... A Adelle recebeu mais
sangue do que todo o seu sangue... E tendo em conta que não ficou todo lá
dentro... deve ter sangrado por esta altura mais de 7 litros de sangue... Não
sei explicar isto em linguagem não médica... O desafio que isto é em condições
tão precárias... é indescritível...
Dormi mais nervoso que nunca... E no dia a seguir de manhã,
quase que partia as portas ao entrar pelo recobro a dentro, onde a tinha
deixado na noite anterior... Olho para a Adelle e pela primeira vez desde que a
minha vida se cruzou com a dela vejo gente... Parece que lhe passou um camião
por cima... mas está viva J))
.... Está consciente com os sinais vitais francamente melhorados, e sem sinais
de hemorragia activa...
“Adelle, ganhamos!!”
Nunca ninguém compreenderá a solidão e angústia das minhas
decisões... mas não é por ter razão que estou feliz. É porque ela está viva! E
fora de perigo!
A Adelle perdeu o seu filho à nascença, mas saiu do hospital
bem de saúde para cuidar dos filhos que tinha em casa, e mais ainda... vim a
saber no final... a Adelle é enfermeira-parteira pelo que continuará a ajudar
mães e crianças a vir ao mundo com saúde num país onde os recurso humanos são
estrondosamente escassos...
Felicidade infinita... Se fizermos o bem, ele será Infinito,
multiplicar-se-á para sempre, assim a vida da Adelle se multiplica em tantas e
tantas outras...