Aterrar em Kabul, é no mínimo lindo de morrer. Após sobrevoar uma enorme
parte do Afeganistão a contemplar a incrível beleza da cordilheira do Hindu
Kush, com montanhas lindas cheias de neve, enquanto tentava imaginar àquela
enorme distancia o terrível sofrimento que aquele pais tem estado sujeito...
Uma guerra é algo horrível..... a sensação de, a existência desta guerra estar
assumida nas nossas mentes, por um processo de habituação, após 11 anos de
guerra bem dura (agora a caminho dos 14 anos), ultrapassa tudo! Estar em guerra
não pode ser normal!!
De dentro do avião, contemplo a beleza das montanhas e de olhos colados à
janela imagino a quantidade de sangue e sofrimento que aquela terra já viu... O
coração aperta e bate mais forte, viajo dentro da viagem....começo a sentir
aquilo que não se explica.... vive-se quando a realidade nos bate de frente.... e
ainda nem tinha chegado.... só a aproximação arrepia, e a antecipação invade-me
o corpo já muito cansado da viagem.... Kabul, cidade de importância histórica
intocável, é rodeada de altas montanhas a 360º, quase como de uma cratera se
tratasse.... A aproximação à cidade de avião é espectacular, com as montanhas
totalmente cobertas de neve, prova de um inverno rigorosíssimo, onde os -20ºC
são a temperatura mínima
espectável.... Vivo um misto de admiração e agradecimento, pelos incríveis
momentos, com um friozinho na barriga por estar prestes a entrar num dos países
mais perigosos do mundo....
O que esperar de uma cidade tão fustigada pela guerra?! Tão mediatizada
pelo terror?! Ao sair do avião as pessoas transformam-se, para uma versão mais
conservadora, mais fechada, comparativamente ao que transpareciam no aeroporto
do Dubai.... Os véus fecham mais as caras, caem algumas burqas pelo corpo
abaixo, e os vestígios de algum toque de ocidentalização parecem desaparecer
nos homens e mulheres..... Sinto-me logo, mais e mais em destaque ao destoar de
todos que me rodeiam ainda no avião! Sinto-me diferente, exposto, e isso claro,
causa algum desconforto....
À saída do avião, estigmas de um país subdesenvolvido, apresentam-me o que
me esperava..... confusão e desorganização brutais! Olho com espanto para o
carimbo do meu passaporte que agora diz Afeganistão! O ritual de espera das
malas, marca bem a diferença civilizacional..... tudo em cima uns dos outros,
anarquia total, e a probabilidade de ser roubado parece altíssima.... e não me
parece que os perdidos e achados sejam de confiança ;). Mas acho piada a este
caos que funciona.... ou vai funcionando. Respiro de alivio quando pego na minha
mochila.... e fico encantado por ver uma prancha de snowboard a chegar no
tapete!! Depois li algures que alguns jornalistas mais aventureiros, fazem
snowboard algures nessas montanhas.... infelizmente não será por aí a minha
ventura ;).
Ao passar as malas no Raio-X, com a presença de muita segurança/militares, perguntam-me se me podem abrir a mochila pequena e que garrafas trazia lá dentro.... Eram 6 cervejas, pois é legal entrar com uma quantidade de álcool até aos 2 Litros, e todos os estrangeiros trazem do duty free do Dubai, porque em Kabul é muito difícil beber uma cerveja, e quem aqui fica algum tempo, sofre de desejos de um copinho para descontrair... Então um militar, abre-me a mochila, contempla as cervejas, tira uma, e diz-me com a maior das latas a rir-se para mim “taxa de aeroporto”, e mete a cerveja debaixo da mesa! Ou seja, fui roubado, “in your face”, mesmo.... mas restam-me poucas alternativas do que rir de volta fechar a mochila e seguir caminho! Cabrão! Engulo a minha pequena revolta, pois não me pareceu sensato estar a discutir ali, cheio de gente com armas.... apenas pelo meu orgulho.... o cansaço ajudou-me também a aceitar o acontecimento com mais passividade...
(estádio de Kabul onde se faziam execuções públicas) |
Ao passar as malas no Raio-X, com a presença de muita segurança/militares, perguntam-me se me podem abrir a mochila pequena e que garrafas trazia lá dentro.... Eram 6 cervejas, pois é legal entrar com uma quantidade de álcool até aos 2 Litros, e todos os estrangeiros trazem do duty free do Dubai, porque em Kabul é muito difícil beber uma cerveja, e quem aqui fica algum tempo, sofre de desejos de um copinho para descontrair... Então um militar, abre-me a mochila, contempla as cervejas, tira uma, e diz-me com a maior das latas a rir-se para mim “taxa de aeroporto”, e mete a cerveja debaixo da mesa! Ou seja, fui roubado, “in your face”, mesmo.... mas restam-me poucas alternativas do que rir de volta fechar a mochila e seguir caminho! Cabrão! Engulo a minha pequena revolta, pois não me pareceu sensato estar a discutir ali, cheio de gente com armas.... apenas pelo meu orgulho.... o cansaço ajudou-me também a aceitar o acontecimento com mais passividade...
Tenho ainda fresca, a memória de quando fiquei “esquecido” no aeroporto de
Islamabad, sozinho de madrugada.... o que não foi nada agradável.... E não me
apetecia nada que me voltasse a acontecer o mesmo em Kabul! Passo vários
checkpoints de segurança, de controlo de passaportes e detectores de metais,
até sair do aeroporto, e só no parque de estacionamento, é que nos podem
esperar.... E lá está o clássico 4x4 Toyota dos MSF, cá fora! E quando vejo
aquele logótipo sinto-me logo seguro e mais tranquilo! É família! Estão ali à
minha espera.... Um motorista Afegão que nunca vi, mas apetece-me logo
abraçá-lo! Bem tudo isto é acima de tudo medo do desconhecido, mas Kabul impõe
respeito!
Depois de um Asalam Aleikum, que fica sempre bem, entro para o carro.... e
ainda há aquela tentativa infrutífera de falar.... mas inglês que é bom, Nada!
Mas confio, ele deve saber onde me levar.... e encosto-me para trás a curtir a
cidade.... Uma mistura enorme de emoções, com um cansaço tremendo da longa
viagem, mas uma vontade enorme de gravar todas as imagens que os meus olhos
vêem.... As famosas crianças de Kabul que vivem na rua com temperaturas
negativas e agora que o sol vai levantando ganham uma vida mágica.... Sinais de
guerra por todo lado.... tanques enormes em cima das rotundas, foi a 1a
coisa que eu vi quando saí do aeroporto, a presença de militares e armas é
constante, e são muitos os edifícios que estão parcialmente destruídos por
bombas, e outros com “desenhos” de rajadas de metralhadora nas fachadas.... Mas
ao mesmo tempo, à medida que o coração vai abrandando é a sensação de uma
cidade com uma vida “banal” que cresce em mim.....e com isso o medo vai-se
dissipando, e vou mergulhando nesta cidade de uma forma mais tranquila...
Chego a casa dos MSF, após breves apresentações, caio inanimado de cansaço,
e durmo para me preparar para o que aí vem.... a missão que abracei, numa das
zonas mais perigosas do mundo, onde o conflicto está bem activo, no sul do
Afeganistão....
Ainda falta um bocado, e só descanso quando estiver a fazer o que gosto e
sei.... salvar vidas!
Mal posso esperar!
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