Depois de já ter viajado por muitos países em África tenho a
opinião convicta de que as capitais são feias e o resto é lindo. Todos os
grandes centros urbanos dificilmente aparecem nos cartões postais. São
poluídas, confusas, desprovidas de qualquer beleza arquitectónica e mesmo sendo
ao pé do mar ou de um rio, nem aí nos deixam contemplar a natureza de forma
alguma. As pessoas acompanham a “vibe” da cidade: stressadas, egoístas, sem
alma e sem brilho, gananciosas e com vontade de crescer... assim como a cidade.
E à medida que nos vamos afastando do lixo, do fumo e do betão, começamos a ver
a magia africana em todo o seu esplendor...
Os sorrisos são mais transparentes,
a alma é mais quente, as danças são mais genuínas e as paisagens são
hipnotizantes. Viajar em África vale mais pela viagem do que pelo destino
final, e esta metáfora que levo para a vida mostra bem o caracter único de todo
e qualquer passo que se dê na mãe África, na terra que viu nascer o ser
humano...
Mas este parágrafo tem uma honrosa excepção: Bangui “La
Coquette” que faz jus à sua fama a cada traço, a cada passo e a cada olhar. A
capital da RCA é uma cidade bonita quer pela beleza natural do rio que a
ladeia, quer pelos ares de floresta de várias zonas da cidade, quer pela
ruralidade que aparenta, tudo isto condimentado com um clima quente mas quase
sempre bastante agradável.
Importante que se diga que o meu olhar enquanto, branco,
europeu, “rico” tem as limitações de ir aos sítios onde os privilegiados vão, ter
o conforto que só toca uma pequena franja da população, mas que ainda assim tento
observar e absorver tudo o que consigo a de cada momento e nos honestos 360º.
Bangui tem à volta de 1 milhão de habitantes mas espalhados
numa enorme área da cidade o que faz com que poucas sejam as estruturas com
mais de 1 andar... A cidade no seu geral é ampla e respira-se ares a céu
aberto... Há alguns carros e muitas motas, e quase nunca o trânsito causa
grandes dores de cabeça. Eu adoro fixar a cabeça na janela e ver as
“loginhas”... o comércio está em todo o lado e nas formas mais variadas... tudo
se passa à beira da estrada, tudo se compra esticando o braço sem sair do
carro... Há lojas de peças de tudo... Para se dizer que algum objecto com o
mínimo de valor chegou ao fim da sua vida, é preciso que não restem dúvidas
desta morte... Se não, tudo se re-aproveita, tudo se arranja, tudo se remedeia,
tudo se remenda... Tudo são barracas de madeira e os horários são simples... ao
sabor do sol. E se chove a sério, daquelas chuvas de fim do mundo que eu nunca
vi como em África, tudo fecha, tudo foge para onde puder... a chuva pára e tudo
volta... são simples os horários. E o tempo tem outra velocidade... e tempo
como tudo em África é negociável.. Pois quem disse que um minuto era um minuto
certamente se esqueceu do impacto negativo deste controlo por amarras de que
todos somos vítimas... menos em África, onde um minuto é o tempo que se quiser.
Meia dúzia de mangas ou de tomates, ou de abacates são o suficiente para abrir
um negócio... O preço depende da vontade de vender e da vontade de comprar...
Os preços fixos são contra toda a lei de mercado de barraca, porque tudo se
conversa, tudo se discute... e discute-se a sério! As discussões são ferozes,
principalmente para quem as houve e pouco entende da língua... talvez para os
centro-africanos seja apenas uma forma de falar. E eu adoro esta vida. Adoro.
Já passei horas e poderia passar dias, só a ver e a tirar notas mentais sobre a
magia africana...



Bangui “La Coquette”, é das capitais mais pobres do mundo
assim como o seu país... mas no seu rio encontramos uma beleza que nos faz
cortar a respiração... O rio Oubangui é um dos maiores afluentes do gigante rio
Congo (que é o 2º rio com mais água do mundo) e este afluente é uma artéria
poderosíssima pela vida que carrega e pelos encantos de todo o seu recorte que
divide em quase toda a extensão a RCA da RDCongo... E assim é uma parte de
Bangui... a olhar para o Congo através das águas do rio Oubangui. E assim
passei eu uma boa parte de muitos dias, certamente as melhores partes dos meus
dias em Bangui a partilhar os meus sonhos com os meus pensamentos, hipnotizado
a olhar para o rio...

“De onde vens e para onde vais?” perguntava eu à agua que
espelhava as maiores belezas da natureza e a simplicidade poética do homem que
vive no rio e do rio... E o rio é largo, forte e tem caracter... Apesar de
estarmos rodeados de cidade, a beira rio, cheira a aldeia piscatória, com gente
simples, pequenas pirogas que pescam o que a maré lhes traz e cabaninhas de uma
simplicidade inadejectivável... As margens do rio são verdes de floresta que
apenas foi interrompida pela cidade que se interpôs...
A colina que é mais verde que o restante verde, é onde estão
as casas dos ricos e abraça a cidade com ares mais puros e frescos... e em
alguns pontos mostra-nos e desenho do rio que serpenteia até ao pôr do sol
quente com todos os tons de laranja que só a África profundo nos mostra...
Bangui é uma pérola no coração de África que me conquistou
em meia dúzia de olhares, numa África que já não precisava de mais razões
porque já há muito me apaixonara...
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