RCA 2.0 - Bangui, La Coquette

 
Depois de já ter viajado por muitos países em África tenho a opinião convicta de que as capitais são feias e o resto é lindo. Todos os grandes centros urbanos dificilmente aparecem nos cartões postais. São poluídas, confusas, desprovidas de qualquer beleza arquitectónica e mesmo sendo ao pé do mar ou de um rio, nem aí nos deixam contemplar a natureza de forma alguma. As pessoas acompanham a “vibe” da cidade: stressadas, egoístas, sem alma e sem brilho, gananciosas e com vontade de crescer... assim como a cidade. E à medida que nos vamos afastando do lixo, do fumo e do betão, começamos a ver a magia africana em todo o seu esplendor... 

Os sorrisos são mais transparentes, a alma é mais quente, as danças são mais genuínas e as paisagens são hipnotizantes. Viajar em África vale mais pela viagem do que pelo destino final, e esta metáfora que levo para a vida mostra bem o caracter único de todo e qualquer passo que se dê na mãe África, na terra que viu nascer o ser humano...
 

Mas este parágrafo tem uma honrosa excepção: Bangui “La Coquette” que faz jus à sua fama a cada traço, a cada passo e a cada olhar. A capital da RCA é uma cidade bonita quer pela beleza natural do rio que a ladeia, quer pelos ares de floresta de várias zonas da cidade, quer pela ruralidade que aparenta, tudo isto condimentado com um clima quente mas quase sempre bastante agradável.

Importante que se diga que o meu olhar enquanto, branco, europeu, “rico” tem as limitações de ir aos sítios onde os privilegiados vão, ter o conforto que só toca uma pequena franja da população, mas que ainda assim tento observar e absorver tudo o que consigo a de cada momento e nos honestos 360º.

Bangui tem à volta de 1 milhão de habitantes mas espalhados numa enorme área da cidade o que faz com que poucas sejam as estruturas com mais de 1 andar... A cidade no seu geral é ampla e respira-se ares a céu aberto... Há alguns carros e muitas motas, e quase nunca o trânsito causa grandes dores de cabeça. Eu adoro fixar a cabeça na janela e ver as “loginhas”... o comércio está em todo o lado e nas formas mais variadas... tudo se passa à beira da estrada, tudo se compra esticando o braço sem sair do carro... Há lojas de peças de tudo... Para se dizer que algum objecto com o mínimo de valor chegou ao fim da sua vida, é preciso que não restem dúvidas desta morte... Se não, tudo se re-aproveita, tudo se arranja, tudo se remedeia, tudo se remenda... Tudo são barracas de madeira e os horários são simples... ao sabor do sol. E se chove a sério, daquelas chuvas de fim do mundo que eu nunca vi como em África, tudo fecha, tudo foge para onde puder... a chuva pára e tudo volta... são simples os horários. E o tempo tem outra velocidade... e tempo como tudo em África é negociável.. Pois quem disse que um minuto era um minuto certamente se esqueceu do impacto negativo deste controlo por amarras de que todos somos vítimas... menos em África, onde um minuto é o tempo que se quiser. Meia dúzia de mangas ou de tomates, ou de abacates são o suficiente para abrir um negócio... O preço depende da vontade de vender e da vontade de comprar... Os preços fixos são contra toda a lei de mercado de barraca, porque tudo se conversa, tudo se discute... e discute-se a sério! As discussões são ferozes, principalmente para quem as houve e pouco entende da língua... talvez para os centro-africanos seja apenas uma forma de falar. E eu adoro esta vida. Adoro. Já passei horas e poderia passar dias, só a ver e a tirar notas mentais sobre a magia africana...

Bangui “La Coquette”, é das capitais mais pobres do mundo assim como o seu país... mas no seu rio encontramos uma beleza que nos faz cortar a respiração... O rio Oubangui é um dos maiores afluentes do gigante rio Congo (que é o 2º rio com mais água do mundo) e este afluente é uma artéria poderosíssima pela vida que carrega e pelos encantos de todo o seu recorte que divide em quase toda a extensão a RCA da RDCongo... E assim é uma parte de Bangui... a olhar para o Congo através das águas do rio Oubangui. E assim passei eu uma boa parte de muitos dias, certamente as melhores partes dos meus dias em Bangui a partilhar os meus sonhos com os meus pensamentos, hipnotizado a olhar para o rio...
 
“De onde vens e para onde vais?” perguntava eu à agua que espelhava as maiores belezas da natureza e a simplicidade poética do homem que vive no rio e do rio... E o rio é largo, forte e tem caracter... Apesar de estarmos rodeados de cidade, a beira rio, cheira a aldeia piscatória, com gente simples, pequenas pirogas que pescam o que a maré lhes traz e cabaninhas de uma simplicidade inadejectivável... As margens do rio são verdes de floresta que apenas foi interrompida pela cidade que se interpôs...
A colina que é mais verde que o restante verde, é onde estão as casas dos ricos e abraça a cidade com ares mais puros e frescos... e em alguns pontos mostra-nos e desenho do rio que serpenteia até ao pôr do sol quente com todos os tons de laranja que só a África profundo nos mostra...



Bangui é uma pérola no coração de África que me conquistou em meia dúzia de olhares, numa África que já não precisava de mais razões porque já há muito me apaixonara...

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